O protagonista desta história extraordinária é um insigne cientista português galardoado com o Nobel de Medicina (em 1949, partilhando o Prémio com Walter Rudolf Hess).
Nome de todos conhecido: Egas Moniz.
Recuemos a Outubro de 1953, vésperas de Eleições Legislativas. Desde 1934, data das primeiras Legislativas, que os setores oposicionistas manifestavam a impossibilidade de participação em atos eleitorais sem condições mínimas de liberdade de expressão. Salazar anunciava que os Serviços de Censura atuavam nesses períodos apenas no sentido de «impedir a divulgação de notícias falsas, propagadoras de subversão da opinião pública.» E fora desses períodos? Salazar instruía os menos esclarecidos: «Um Estado nacional deve vigiar a sua imprensa e conduzi-la na direção dos interesses comuns.» Na realidade, a Ditadura mais não fazia, nos períodos eleitorais, que aliviar brandamente a mordaça, numa grosseira encenação de liberdade, pois todos os textos continuavam a passar pelo crivo censório e muitos eram proibidos ou golpeados.
Mais uma vez, nesse ano de 1953, o regime impedira a Oposição de fiscalizar as eleições.
Deu-se então um acontecimento jornalístico que muito viria a apoquentar Salazar. Foi o caso em que o diretor do diário oposicionista República, Carvalhão Duarte (seria o meu primeiro diretor na década seguinte), tomou a iniciativa de pedir a Egas Moniz uma entrevista sobre o momento político. Conheciam-se as ideias progressistas do cientista, crítico do regime de "Partido Único", porém não se esperava que as suas declarações atingissem um grau de desassombro verdadeiramente estonteante naqueles tempos.
A entrevista seguiu para a Censura sem grandes esperanças de que viesse a ser autorizada. Ainda por cima "puxara-se" para título uma das declarações mais explosivas do entrevistado: «A comédia (eleitoral) vai repetir-se!» Todo o texto, aliás, estava enxameado de "subversões" impublicáveis na ótica do regime. Respigo um fragmento:
«A liberdade de pensamento é um dos direitos do Homem. (...) A geração de hoje representa uma população separada por largo rio caudaloso. Na margem direita estão os que mandam e gozam as liberdades fundamentais e o bem-estar que dão as brisas do Poder. Podem escrever como melhor lhes correr a inspiração, sem serem incomodados pelos esbirros censurativos. Na margem esquerda acotovela-se a multidão forçadamente silenciosa a quem, de tempos a tempos, se concede a caridade de poderem falar mais desassombradamente, embora dentro de certos limites.»
No estilo cerimonioso e rebuscado da época, o jornalista pergunta:
«V.Exª tem razões de queixa da tesoura eliminatória da Censura?»
Egas Moniz responde:
«É assim mesmo. Revivem as velhas usanças da Mesa Censória. Mas há dois séculos era uma única entidade que revia livros e publicações. Seguia mau critério, mas era pouco sujeita a flutuações. Hoje, com a expansão da Imprensa, há censores em todos os distritos e províncias ultramarinas. Trabalham à compita, com severidade desigual, mas no propósito de cotarem dia a dia e de cada vez mais alto os seus méritos».
«A Vida Sexual»: arresto policial em todas as livrarias do País
O cientista faz depois alusão às páginas da sua obra Confidências de um Investigador Científico que sofreram cortes… (nas suas palavras: ali "ficou gravada a garra do vexame»).
Logo a seguir, o relato do mais inimaginável dos absurdos.
A obra A Vida Sexual, que Egas Moniz começou por dividir em dois volumes ("Fisiologia" e "Patologia") e depois reunidos num só, foi mandada apreender nas livrarias. Arresto policial em todo o País.
O editor sentiu-se seriamente prejudicado, protestou e solicitou do ministro do Interior uma solução menos gravosa. Ao cabo de porfiados esforços, o editor obteve dos poderes públicos uma concessão: a obra poderia continuar a ser vendida, mas... sujeita a requisição médica apresentada ao livreiro!
Salazar pesa o dano político de silenciar um Prémio Nobel
Como foi possível que esta entrevista tenha vindo a público?
A explicação é breve. A autorização demorou três dias. Esse lapso de tempo corresponde ao trajeto das provas de texto do jornal para a Censura, daqui para a presidência do Conselho de Ministros e sequente devolução, com despacho aprovativo, para a Censura e de novo para o jornal.
Um Salazar iracundo, remordido de furor, terá concluído que os danos de uma proibição seriam muito maiores que os advenientes de uma autorização. Estava-se a poucos dias das eleições. Egas Moniz ascendera a um pedestal pátrio. Depois da atribuição do Prémio Nobel, quatro anos antes, era glorificado no País inteiro. Até a imprensa situacionista e alguns ministros do regime o nomeavam "eminente sábio". A notícia sobre um Prémio Nobel silenciado durante as eleições causaria brado no estrangeiro. Seria difícil, também em Portugal, ocultar por completo o caso. Não obstante a inexistência de uma fiscalização eleitoral e da expedita ação dos legionários incumbidos das consabidas "chapeladas", podia acontecer algo de imponderável...
Restava oficiar a polícia política de modo a reduzir quanto possível os "estragos". Para uma polícia política parecerá sempre estranha a expressão "quanto possível". Tudo é possível, desde que haja uma ordem superior.
Tipógrafos e jornalistas enfrentam uma invasão de pides
O caso da entrevista de Egas Moniz ao jornal República encerraria, ao princípio da tarde de 28 de Outubro de 1953, com um ato de inexcedível vileza.
Quando a decrépita máquina de impressão começa a trabalhar, entram de cambulhada pelo portão das oficinas, na Rua Nova da Trindade, pides a granel. Justificam a sua presença com o facto de lhes ter sido ordenado o controlo da tiragem, a qual, declaram, não poderia exceder (num exemplar sequer!) a da véspera. Mas 45 minutos depois, numa fase em que nem um terço da tiragem se encontrava feita, um deles, feição de graduado, berra:
– Chega! Pára a máquina!
Intervém o diretor Carvalhão Duarte. Calmo. Dirige-se aos intrusos:
– Ou sai daqui a tiragem toda ou não sai nada.
Tipógrafos e redatores, com o meu saudoso chefe Artur Inez à cabeça, fazem um dique de proteção à máquina. Em silêncio. Sem pressas, expectantes, viseiras carregadas.
Saiu a tiragem completa. Mas a máquina bem poderia continuar a imprimir até ao dia seguinte que não faltariam compradores.
© PEDRO FOYOS
José Vilhena numa foto recente de Steven Governo
No momento da morte de José Vilhena evocamos o artista e escritor que afrontou com incomum coragem, ao longo de décadas, a Ditadura. Figura marcante do humor em Portugal, na esteira da crítica de costumes cultivada por Bocage e Bordalo Pinheiro. Foi decerto o autor com maior número de livros apreendidos pela PIDE (mais de meia centena), sofrendo a prisão por três vezes. Os livros, porém, tinham uma intensíssima circulação clandestina, conhecidos de toda a gente mercê de «artes ocultas» (expressão de um censor citado adiante).
Vilhena, homem de fibra, espírito livre, provocador, é por alguns identificado mais sob o ângulo deleitoso de um erotismo tão arrojado que por vezes lhe criou sérios enleios jurídicos. Resumindo: este homem protagonizou, no nosso tempo português, o papel maior do estoura-vergas do pensamento libérrimo.
Recuperamos neste espaço documentos há muito esquecidos que refletem a atmosfera lúgubre que, em diferentes épocas, se respirava no País. O primeiro, de 1965, encontra-se preservado no Arquivo Nacional da Torre do Tombo e relata a proposta que um censor dirige «respeitosamente» ao coronel subdiretor do SLE (Serviço de Leitura Especial). Transcreve-se: «O incorrigível e manhoso Vilhena não quis deixar acabar este ano sem lançar a público mais uma das suas produções deletérias que por artes ocultas circulam sempre a despeito das proibições que sobre elas incidem. Posto hoje à venda, segundo creio, não encontro neste livro uma única página que possa ser autorizável. Portanto, proponho a sua rigorosa proibição».
Tinha razão o censor ao atribuir a Vilhena o epíteto de «incorrigível».
Incorrigível, antes e depois do 25 de Abril. Decorridos exatos dez anos, num prenúncio alarmante do chamado Verão Quente, ocorre o assalto político ao jornal República, único diário assumidamente oposicionista, dirigido pelo histórico socialista Raul Rego. Uma fação ideológica defende a urgência de uma «Censura Revolucionária». O então ministro da Comunicação Social, Correia Jesuíno (4º e 5º Governos Provisórios), acolhe a ideia mas reprova o incomodativo vocábulo «Censura». Tudo se resolve com uma despachada mudança de nome. No final de maio (1975), o ministério anuncia que «muito em breve» entrará em funções uma estrutura denominada «Comissão de Análise dos Meios de Comunicação Social». A «Censura» salazarista e o marcelista «Exame Prévio» transmutavam-se agora numa refinada «Comissão de Análise». O almirante Rosa Coutinho, figura de proa do Conselho da Revolução, aplaude a iniciativa.
Antecipando-se à repressão administrativa, o Sindicato das Artes Gráficas incentiva os tipógrafos a unirem-se numa primeira linha da vigilância revolucionária. «Cabe-nos o dever e a honra de sermos essa linha avançada» — proclama o líder sindical. E deste modo, os jornalistas democráticos são impedidos de publicar um jornal «de luta pela liberdade de expressão».
Eis porém que aparece o «incorrigível» José Vilhena e estraga a festa.
A revista Gaiola Aberta, com uma tiragem de cento e oitenta mil exemplares, ridiculariza o ministro em sucessivas alusões gráficas, a principal das quais, aqui reproduzida, tem honras de contracapa.
Vilhena, cáustico e desapiedado, coloca o ministro no ambiente tétrico de um cemitério, desenterrando à socapa a «D. Censura» (falecida em 25 de Abril de 1974 …. — lê-se na lápide).
Antes da saída da revista, Vilhena diligencia um encontro pessoal com os jornalistas saneados do República, oferecendo-lhes o original do magnífico desenho juntamente com o texto seguinte:
«As liberdades conferidas aos órgãos de informação revelam-se exageradas e a prova é que estão a provocar uma enorme bagunça, com cada um a dizer o que lhe vem à cabeça… quando os camaradas tipógrafos não se opõem. Ora estes, ocupados como andam a tipografar, não podem, logicamente, assegurar a adequada vigilância. Distraem-se com frequência e deixam escapar muita aleivosia contrária ao projeto coletivo nacional, permitindo que parte da informação se situe no tal enquadramento político-ideológico de democracia liberal — logo contra revolucionário».
José Vilhena, «incorrigível», como já diziam, acertadamente, os seus primeiros censores.
PF
4 Outubro 2015
FOTO RECENTE DE GONÇALO ROSA DA SILVA
Querida Manuela, Excelentíssima:
Se alguém merece ser tratado por excelência / excelentíssima, a Manuela cabe na primeira linha. Não apenas por completar 104 admiráveis primaveras (embora, convenhamos, seja vida, caramba!), mas porque o seu exemplo de cidadã, de mulher do jornalismo, da arte literária, do ensino, da cultura, se definiu assim: obra de excelência, uma dedicação insuperável.
Guardo da Manuela gostosos diálogos e inofensivas tagarelices na redação do Diário de Notícias. Momentos únicos. Um deles marcante — quando ali ficámos a saber um pouco mais sobre ambas, pois até então só nos conhecíamos por nos lermos nas colunas dos diferentes jornais das andanças jornalísticas. Foi um dia em que nos cruzámos no corredor que ligava as salas do DN nas quais funcionavam as diversas secções (o open space chegaria mais tarde), cumprimentámo-nos, sorriso franco, a Manuela conteve por instantes o andar veloz em passo miúdo, deu-me um abraço e disse-me com uma voz entre o professoral e o ternurento: «Defenda sempre a liberdade». Recordo o meu quase tímido: Obrigada, Manuela.
Repito hoje — obrigada, Manuela — Excelentíssima, acrescento.
E redobro o abraço de camaradagem e estima, significando-lhe uma vez mais, amizade e gratidão.
Saberão as novas gerações do jornalismo, os governantes de agora, o que a Manuela de Azevedo fez pela Cultura do nosso país, do nosso povo? O quanto lhe custou (quanto penou) para dar corpo e alma nomeadamente à Casa-Memória de Camões, em Constância?
Acho que só Camões, lá no seu «assento etéreo» reconhecerá a «fortuna» de existir neste confuso mundo uma criatura maior com a capacidade de paixão, de iniciativa e trabalho, de resistência e engenho como a Manuela; predicados que tão cedo cultivou logo na sua adolescência vivida em Mangualde (terra do meu nascimento e infância que puxávamos para as nossas recordações, não obstante situadas em idades desiguais).
Afinal, o que é a idade? A Manuela não poderia dar às margens dos meus setenta um pouco da energia do grande rio dos seus 104? Que alegria imensa vê-la atuante, decidida.
Ao lançar em plena juventude centenária mais um livro —O Pão que o Diabo Amassou —a Manuela volta a testemunhar a sua garra (o nosso Camões está igualmente orgulhoso de si). O seu talento renova-se na poesia, na ficção, no ensaio, na dramaturgia, em resumo: nas letras contemporâneas. Quando publica o próximo?
Obrigada, querida Manuela. Ainda obrigada pelos valores que têm norteado o seu caminho: contra todas as opressões, a defesa da democracia, o sentido da dignidade do Ser, o desejo de justiça, o sonho como alimento imprescindível ao pensamento e ao coração, a vontade de contribuir — social e culturalmente — para o desenvolvimento saudável da humanidade.
Quem de modo honesto quiser falar da história portuguesa do jornalismo — da reportagem à crónica, da entrevista à crítica literária ou das artes plásticas, do teatro à dança, deverá honrar a memória e celebrar o nome de Manuela de Azevedo.
Obrigada, Manuela, Excelentíssima.
MARIA AUGUSTA SILVA
Agosto 2015
SESSÃO DE LANÇAMENTO NA CASA DA IMPRENSA NO DIA DO ANIVERSÁRIO
A Casa da Imprensa e o Museu Nacional da Imprensa promovem o lançamento do livro O PÃO QUE O DIABO AMASSOU, de Manuela de Azevedo,31 de agosto, 17h30, na sede da Casa da Imprensa, em Lisboa.
Após a apresentação haverá uma sessão de autógrafos com a autora que nesse dia completa 104 anos.
ADENDA EM 1 SETEMBRO 2015
Manuela de Azevedo foi nesta data agraciada pelo presidente da República com o grau de comendador da Ordem da Liberdade.
Acaba de ser lançado (com a chancela da Labirinto) Negro Marfim, novo livro da arte poética de Victor Oliveira Mateus que Casal das Letras teve o gosto de apresentar em pré-publicação no início deste ano.
Entretanto, quem melhor do que o escritor, professor e ensaísta Miguel Real para analisar a obra? E assim diz no prefácio: «Brilhante prosa, brilhante poesia, brilhante texto, brilhante livro, ainda que tecido de pesar e sofrimento, isto é, de negridão, texto como apenas Raul Brandão, Cioran ou Kierkegaard conseguiriam escrever».
Registamos mais um poema-prosa do livro:
A palavra traz consigo uma ganga que atrai, que atrai e amedronta. Há nela algo de uma seiva originária, de raízes, de adulteradas pelo uso, pelos instrumentos, pelas máscaras com que no tempo enganando-as nos enganamos. É uma ponte. Um interminável carril nas impercetíveis ramificações muitas vezes sem cais nem destinos. Pode também, quando a calamos, ser uma ilha, ou – como agora – um refúgio. A palavra é, na sua recôndita fundura, esse claro aparecer das coisas, coisas constantemente à deriva por entre biombos, películas falsas, jogos de transparência, bandeiras que acenam, mas só por cuidado revelam.
TAMBÉM NESTE SÍTIO
Entrevista a Victor Oliveira Mateus
na ocasião da entrega do Prémio Eugénio de Andrade
da União Brasileira de Escritores
Perguntámos um dia a Ana Hatherly o que gostaria que os anjos dissessem neste mundo da globalização. Com a claridade das suas palavras e do seu olhar respondeu-nos:
«Que iriam, finalmente, cuidar de nós, porque não o têm feito».
Nascida no Porto, esta grande senhora da arte poética (tanto na palavra como na expressão plástica) deixou-nos com 86 anos. Morreu em Lisboa.
Nome de referência na cultura e docência universitária, nomeadamente no estudo do barroco e de Rilke, espírito vanguardista, irreverente, dado ao questionar sistemático, marcante nas intervenções que levariam à fundação do Movimento da Poesia Experimental Portuguesa (de que sobressai também o poeta E.M. de Melo e Castro), a autora de obras como Volúpsia, Tisanas ou Cidade das Palavras interrogava-se se alguém poderia, «num mundo terrível, criar o verso de júbilo»? E tinha como indispensável «devolver o culto do espiritual à sua pureza anterior». Assim o sublinhou numa entrevista que lhe fizemos em maio de 2000. Nesse momento adiantou-nos ainda que «a verdade do autor é a qualidade da sua obra».
A qualidade da obra de Ana Hatherly perdurará com toda a sua verdade.
5 AGOSTO 2015
«[…] não posso dizer senão o que é o meu agora, que me leva cada vez para mais longe de tudo — para mais longe… longe… Para o silêncio…»
Recordamos a última mensagem de Ana Hatherly ao ‘Casal das Letras’, há sete meses:
«Fiquei feliz por ver essa entrevista [citada antes] por vossas mãos ressuscitada. Obrigada. Lida agora, não sinto necessidade de alterar nada. Tudo o que eu disse então estava — e de certo modo continua a estar — certo nessa época. Mas o meu tempo agora é outro: «Os anjos já não me sorriem», disse-o algures. (Mas os anjos também mudaram…). Não desdigo o que disse outrora mas não posso dizer senão o que é o meu agora, que me leva cada vez para mais longe de tudo — para mais longe… longe… Para o silêncio…
Mas não esqueço nada do que vivi».
TAMBÉM NESTE SÍTIO
ENTREVISTA A ANA HATHERLY (MAIO 2000)
(Selecionar ANA HATHERLY pela ordem alfabética do primeiro nome)
EVOCAÇÃO POR JOSÉ VIALE MOUTINHO
COMENTÁRIOS DE LEITORES
Registamos um poema de Ana Hatherly:
BALADA DO PAÍS QUE DÓI
O barco vai
o barco vem
português vai
português vem
o corpo cai
o corpo dói
português vai
português cai
o barco vai
o barco vem
português vai
português vem
o país cai
o país dói
o tempo vai
o tempo dói
português cai
português vai
português sai
português dói
(POEMAS DE CRÍTICA E DE REVOLTA, 1964-1966, 1980)
Pormenor da histórica Casa Senhorial do Telhado
(Foto de Carlos Feiteira)
Após obras de restauro, a Câmara Municipal do Fundão vai inaugurar a 30 de agosto próximo, na aldeia do Telhado (concelho do Fundão), um espaço museológico que fica a celebrar a vida e obra do poeta Albano Martins, ali nascido. A emblemática Casa Senhorial do Telhado, construída há 600 anos, encontrava-se desde há três décadas num estado penosamente ruinoso. Consagrar-se-á também ali, a partir de agora, a milenar arte da olaria indissociável da região.
Nome que marca a literatura portuguesa contemporânea, Albano Martins tem muitos poemas seus traduzidos para diversas línguas, sendo igualmente uma referência na tradução de grandes poetas, nomeadamente de autores gregos do período clássico, o que originou a edição da Antologia da Poesia Grega Clássica, um trabalho notável que honra a cultura a nível universal.
Licenciado em Filologia Clássica, Albano Martins, também professor e ensaísta, foi já distinguido em Portugal (2008) com a Ordem do Infante D. Henrique (grau de Grande Oficial), depois de, em 2006, o governo da República do Chile lhe ter atribuído a Ordem de Mérito Docente e Cultural Gabriela Mistral (grau de Grande Oficial). Detém ainda o título de Doutor Honoris Causa da Universidade de S. Marcos de São Paulo, Brasil.
No Telhado, terra de oleiros, o local que consagrará agora o nome do poeta obtém a denominação Casa do Barro — Espaço Albano Martins, afirmando-se ao mesmo tempo como uma homenagem à tradicional atividade barrista daquela região.
Gratamente, o poeta está representado neste Casal das Letras nas secções
"Convidados", "Grandes Entrevistas", "Leituras" e "Registos".
Agosto 2015
O novo livro de Maria do Sameiro Barroso — As Suturas do Tempo — vai ser lançado no dia 23 de junho, às 18h30, na Casa Internacional de S. Tomé e Príncipe, em Lisboa (Rua da Assunção, 40 – 3º D).
A apresentação está a cargo de Fernanda Angius e Isabel Wolmar fará a leitura de poemas.
Este trabalho literário editado por Livros Aedo integra mais de três dezenas de poemas, um dos quais registamos aqui:
AS MÃOS, A MORTE E O TEMPO
Tenho o corpo apenas, o corpo que os meus
contemporâneos avidamente dissecam
em busca da obscura exactidão de ossos,
vasos, versos, perdidos nas bainhas brancas
dos tendões, envolvendo os músculos,
os feixes nervosos, as veias e as artérias.
Tenho apenas o corpo, o cérebro, as mãos,
e a poesia lenta, insidiosa
para entender as válvulas, a veia ázigos,
os ventrículos e o impulso da circulação.
Tenho o silêncio do mundo para entender
esta maravilhosa máquina humana,
regulada por tensões,
experiências que debelam paixões, afectos,
projectando a linfa, o sangue e o universo,
no frágil equilíbrio dos humores.
Tenho as mãos, a morte e o tempo,
para me entender e entender a bílis negra
que se escoa por Lisboa, povoada de fogueiras
e insónias.
Nesta discrasia surda, giram, cada vez mais altas,
as rodas do medo, a sedição, a geografia do terror.
No corpo humano, há ilhéus urgentes,
onde a racionalidade se firma,
os nenúfares se prolongam e a ciência se funda.
Sou Johanes Roderico, albicastrense,
Amatus Lusitanus é o nome que escrevo,
entre as chamas em fúria e os novos lugares
da razão não silenciada, que a tolerância preserva,
e que na humanidade se salva.
Hélia Correia tem uma obra literária (do teatro ao romance) inquestionavelmente merecedora do Prémio Camões (2015) que acaba de conquistar, atribuído por unanimidade. O apuro da escrita, o modo como tem sabido gerir a sua criatividade há muito a afirmaram como uma das mais notáveis personalidades das letras portuguesas contemporâneas.
Discreta, sempre, Hélia Correia conheceu já a justiça de outros galardões prestigiantes, entretanto o Prémio Camões vem sublinhar a grandeza da autora de títulos como O Separar das Águas, O Número dos Vivos, A Casa Eterna, Insânia, Lillias Fraser ou Adoecer. Permitimo-nos, neste espaço de partilha e de afetos, destacar este último que em devido tempo registámos numa leitura minuciosa.
O VIGOR
DA EFABULAÇÃO.
UM LIVRO
PARA SEMPRE
Real e imaginada, Elizabeth Siddal (Lizzie) continua a suscitar paixões, no sentido de desvendar-se a essência de um ser tão enigmático que marcou as singularidades dos pré-rafaelistas (pintores de meados do século XIX) e deles foi a mais famosa modelo, seguindo também ela os caminhos da pintura e literatura. O romance de Hélia Correia, Adoecer (Ed. Relógio d’Água), desenrola-se em torno dessa misteriosa mulher de cabelos ruivos, "fulgor indomável", que "abriu um fosso à sua volta, intransponível (...) porque receava que o seu corpo fosse mais dado ao fatalismo do que ela".
Vinda de um meio social humilde (capelista), a tímida Lizzie "encarnou sem qualquer esforço" o "ideal feminino dos românticos". Esta obra de Hélia articula admiravelmente o vigor da efabulação com o registo biográfico, ressaltando uma abundante pesquisa que referencia particularmente a Inglaterra vitoriana, não se fechando, contudo, em dados históricos ou no pormenor de lugares e costumes. Falamos de uma narrativa avassaladora, na qual a arte e a doença se constituem personagens gémeas nos seus jogos prodigiosos de emoções e de estética, alimentando-se ambas da "poética da morte". A própria fragilidade de Lizzie (que o mecenas Ruskin quis proteger, libertando-a da condição de modelo) confundia-se numa "mistura de erotismo e morte" que lhe acentuava a sedução. "Havia nela o que precede o tempo, uma certa rudeza inaugural (...) ". Adoecia com "elegância", às vezes "esquecia-se de adoecer".
Depois de haver posado para Deverel e Hunt, Lizzie é retratada por Millais no famoso quadro "Ofélia". Diz-se que a obrigou a estar mergulhada, horas sem conta, numa banheira com água fria. E o sangue anémico piorou. A lenda do resfriamento permanece; a tuberculose e a dependência do láudano sepultaram-na em 1862, todavia os médicos chegaram a intrigar-se, admitindo “um fenómeno de autoindução”, uma doença fatal chamada Dante Gabriel Rossetti, o pintor-poeta que celebrizou Lizzie na tela "Beata Beatrix". (As páginas de Adoecer abrem com um desenho de Rossetti espelhando a sua "pupila", e a capa, assinada por Carlos César, inspira-se igualmente num trabalho deste artista que nos traça a delicadeza de Elizabeth Siddal).
A relação de Lizzie e Rossetti define-se por um amor estranho, à margem do padronizado. Ele não estava preso a ela para salvar a "pecadora" (não cumpria o "mito pré-rafaelista do resgate"). Eram "seres destinados ao amor e unidos pela arte". Porém, Rossetti fugia. Tinham, no entanto, "o dom do recomeço". Acabariam por casar-se (1860). Lizzie morreu em 1862. Os poemas de Rossetti deixados no caixão da amada foram exumados (1869). Publicaram-se no ano seguinte.
Hélia Correia habituou-nos a uma escrita exímia, fascinante. Mas nunca uma personagem pertenceu tanto a Hélia como Lizzie. Adoecer é um livro para sempre.
MARIA AUGUSTA SILVA
Junho 2015
No contexto da segunda edição do Festival Literário da Gardunha, Gonçalo Salvado e Maria João Fernandes apresentam no próximo dia 23 de maio, às 16h30, a sua obra, produto de uma década de investigação: A Chama Eterna, o Cântico dos Cânticos na Poesia de Amor e na Cultura de Língua Portuguesa. Esta obra dá continuidade ao projeto de reconstituição de uma "Arte de Amar” genuinamente portuguesa, profundamente influenciada pelo Cântico dos Cânticos, já iniciada por Gonçalo Salvado com a sua transcriação da poesia amorosa de Camões: Camões Amor Somente (1999) e por ambos os autores no livro Cerejas Poemas de Amor de Autores Portugueses Contemporâneos (2004).
Referir-nos-emos oportunamente, mais em detalhe, a esta obra que Eduardo Lourenço qualificou de «alucinante de tão exaustiva».
Maio 2015
O poeta Albano Martins está a ser razão da I Edição do Rosto das Letras que se iniciou a 23 de abril e encerrará a 30 de maio na Biblioteca Municipal de Gaia. Dia 22 (sexta-feira), às 21h30, realizar-se-á uma conferência na qual será analisada a vida e a obra deste poeta maior. Na ocasião, os poetas e ensaístas Fernando Guimarães e Fernando Martinho irão detalhar o percurso literário do homenageado que ao longo de mais de seis décadas tem marcado a cultura portuguesa contemporânea. Caberá ainda aos catedráticos Sebastião Tavares Pinho (da Universidade de Coimbra) e Maria João Reynaud (da Faculdade de Letras do Porto) falar deste autor a quem o ensaísta e psicanalista Jaime Milheiro dedicará igualmente a sua intervenção.
A sessão de encerramento (30 de maio, às 15h30) contará com Albano Martins, o Professor Eduardo Lourenço e o compositor António Pinho Vargas, além do presidente da Câmara Municipal de Gaia, Eduardo Vítor Rodrigues e o vereador da Cultura, Delfim Sousa, individualidades autárquicas que do mesmo modo se associaram ao momento inaugural deste encontro. De registar que na sessão de abertura participaram também Pedro Salvado (representando a Câmara Municipal do Fundão) e o Professor Salvato Trigo (reitor da Universidade Fernando Pessoa). Entretanto, outras personalidades abordaram a criatividade de Albano Martins, nomeadamente Nassalete Miranda (diretora do "Jornal Artes Entre Letras"), Isabel Ponce Leão (catedrática da Universidade Fernando Pessoa), Eduardo Paz Barroso (especialista em Comunicação Social e Cultura), Fernando Paulouro Neves (jornalista) e António Fournier (da Universidade de Torino – Itália).
Esta homenagem a Albano Martins inscreve a encenação de poemas do autor, levada a cabo por "Os Plebeus Avintenses" e momentos musicais preenchidos nas diversas sessões pelo Grupo de Professores da Escola de Música de Perosinho, Sociedade Filarmónica de Crestuma, QSax-Quarteto de Saxofones da Sociedade Musical 1º de Agosto e a pianista Sofia Lourenço.
Albano Martins acaba de lançar uma nova obra de poesia, "Livro de Viagens", com chancela da Afrontamento.
Maio 2015
No próximo dia 22, a partir das 18h30, decorre na Galeria Carlos Paredes, no edifício 2 da SPA, a sessão comemorativa dos noventa anos da fundação da cooperativa, que decorreu precisamente no dia 22 de maio de 1925, cerca de um mês antes do derrube do regime republicano por uma ditadura militar.
Na sessão comemorativa que, como sempre sucede nesta data, e também no Dia do Autor Português, serão celebrados os princípios e valores que sustentam a criatividade dos autores portugueses, em particular dos cerca de 26 mil que estão associados à SPA e que representam todas as disciplinas criativas.
Para além de uma intervenção de fundo de José Jorge Letria, presidente da Direção e do Conselho de Administração da cooperativa, reeleito para mais quatro anos de mandato, serão entregues as medalhas de honra da instituição a António Pinho Vargas, Carlos do Carmo, João Mota, Joaquim Furtado, José Luandino Vieira, José Pacheco Pereira, Júlio Pereira e Maria João Seixas, que celebram o contributo de vários autores para a difusao e prestígio da vida cultural portuguesa e os Prémios Pró-Autor, destinados a instituições que têm contribuído para preservar o nosso património cultural e a obra dos autores de diversas gerações e disciplinas. Serão distinguidos a Biblioteca Nacional de Portugal, a Biblioteca da Universidade de Coimbra, o Cante Alentejano, a Casa da Música, a Cinemateca Portuguesa-Museu do Cinema, o Lisbon & Estoril Film Festival, o Programa "Literatura Agora" da RTP2 e o Festival "Curtas" de Vila do Conde.
Durante a cerimónia será entregue o Grande Prémio de Teatro SPA/Novo Grupo a um texto teatral escolhido por um júri de reconhecida competência. A peça premiada será editada no próximo ano pela Imprensa Nacional-Casa da Maeda e posta em cena no palco do Novo Grupo. Entretanto, na cerimónia deste ano, será lançada a peça premiada em 2014.
Lançamento também da peça de teatro "1958", de António Torrado, com a chancela da Imprensa Nacional-Casa da Maeda, evocativa das eleições presidenciais de 1958 e da figura heróica de Humberto Delgado. Na mesma cerimónia será apresentado o álbum "Isto de Ser Autor", com depoimentos e fotos, em comemoração do aniversário da SPA. A cerimónia terminará com a entrega do Prémio de Consagração de Carreira ao compositor, arquiteto e pintor José Luís Tinoco, com uma obra vasta e reconhecida em varios domínios.
No encerramento da sessão haverá uma evocação do centenário da revista Orpheu e dos nomes que projetaram o primeiro modernismo português, com destaque para Fernando Pessoa, Mário de Sá-Carneiro e Almada Negreiros.
Maio 2015
No começo de uma tarde soalheira, eu já sexagenária, tomava cautela de peão para atravessar a Baixa lisboeta, no desejo de alcançar a Igreja de S. Nicolau onde costumava e gostava de ir encostar a minha cabeça à Grande Cruz. De repente, alguém me pega no braço: assim, pela passadeira como manda a lei… Assustei-me, temi um assalto, segurei a carteira com dinheiro pouco mas meu, miro uma criatura grande, pernas altíssimas, e desato a rir no teu peito. Rimos, rimos, rimos. Falámos, falámos, falámos de tudo e de nada, do nosso DN, também, naturalmente. Deixaste-me à porta do templo com uma advertência: continua a escrever, vá.
Hoje estou aqui a escrever-te um adeus penoso. Ainda há poucos dias, por comunicação internética, me mandavas «repenicados beijos» e abraços para o Pedro. E davas-nos conta de um projeto que tinhas, o de realizares um livro com uma seleção de textos teus em jeito autocrítico — «isto é, o provedor a meter a mão na consciência em relação àquilo que fez». Eu e o Pedro comentámos: o Oscar em grande forma!
Esta manhã, a notícia inesperada, cruenta.
Vou à memória de nós na redação do Diário de Notícias. Algumas vezes estivemos em confronto, não em termos do essencial mas porque salutarmente tínhamos a nossa liberdade de pensamento e diversidade de ideias. As nossas escaramuças em inesquecíveis plenários levaram-nos uma vez ou outra ao amuo, magoados na alma com o acalorar das palavras, seres imperfeitos que todos somos, incapazes nessas circunstâncias da tal autocrítica que só o tempo ilumina.
Recordo-me de uma ocasião nos olharmos zangados, sem mais falas (parecia-me que iria ser sem mais falas para sempre), e, no dia seguinte, chego à minha secretária, vejo entre o teclado e o ecrã do computador, muito bonita, uma caixinha de bombons sem nenhum sinal de quem queria adoçar-me a boca. Num ímpeto, dirigi-me a ti, que noutro local da redação escrevias mais um dos teus brilhantes trabalhos de crónica ou reportagem. Ouço-te, naquele modo cortante: Não têm veneno e espero que não te estraguem a glicémia…
Oscar, meu sábio Oscar, os que privaram contigo nunca esquecerão o jornalista arguto, cultor da palavra esmerada, do texto bem articulado, da reportagem cheia de vivacidade, da crónica incisiva, corajoso no seu dizer, na opinião, corajoso na própria controvérsia que não desdenhava suscitar.
Espero que um dia, seja onde for nesse lugar onde o coração da terra deixa de bater, voltes a pegar-me no braço para me ajudares a atravessar o caminho. E digo-te eu agora nesta hora de incredulidade: continua a escrever. Fazes falta.
Maria Augusta Silva
6 Maio 2015
Herberto Helder, o poeta.
A morte nunca esperada. A vida para sempre na sua poesia.
Nos seus poemas vê-lo-emos renascer em todos os passos, assombroso, medonho na beleza do verso. Singular no modo de estar.
A morte não tem mestre — como faz crer no último livro, «A Morte Sem Mestre» (Porto Editora), mas foi um estremecimento que atravessou toda a sua criatividade, todo o seu «Ofício Cantante» (título sob o qual reuniu a sua poesia, tanto para a antiga Portugália Editora como depois numa edição da Assírio & Alvim).
Herberto Helder perdurará, imenso «fechado inteiro num poema». E o silêncio é, porventura, a grande luz defronte de si. O mais sentido dizer da nossa admiração e respeito.
24 de Março de 2015
Havia um homem que corria pelo orvalho dentro.
O orvalho da muita manhã.
Corria de noite, como no meio da alegria,
pelo orvalho parado da noite.
Luzia no orvalho. Levava uma flecha
pelo orvalho dentro, como se estivesse a ser caçado
loucamente
por um caçador de que nada se sabia.
E era pelo orvalho dentro.
Brilhava.
Não havia animal que no seu pêlo brilhasse
assim na morte,
batendo nas ervas extasiadas por uma morte
tão bela.
Porque as ervas têm pálpebras abertas
sobre estas imagens tremendamente puras.
Pelo orvalho dentro.
De dia. De noite.
A sua cara batia nas candeias.
Batia nas coisas gerais da manhã.
Havia um homem que ia admiravelmente perseguido.
Tomava alegria no pensamento
do orvalho. Corria.
Ouvi dizer que os mortos respiram com luzes transformadas.
Que têm os olhos cegos como sangue.
Este corria, assombrado.
Os mortos devem ser puros.
Ouvi dizer que respiram.
Correm pelo orvalho dentro, e depois
estendem-se. Ajudam os vivos.
São doces equivalências, luzes, ideias puras.
Vejo que a morte é como romper uma palavra e passar
— a morte é passar, como rompendo uma palavra,
através da porta,
para uma nova palavra. E vejo
o mesmo ritmo geral. Como morte e ressurreição
através das portas de outros corpos.
Como uma qualidade ardente de uma coisa para
outra coisa, como os dedos passam fogo
à criação inteira, e o pensamento
pára e escurece
— como no meio do orvalho o amor é total.
Havia um homem que ficou deitado
Com uma flecha na fantasia.
A sua água era antiga. Estava
tão morto que vivia unicamente.
Dentro dele batiam as portas, e ele corria
pelas portas dentro, de dia, de noite.
Passava para todos os corpos.
Como em alegria, batia nos olhos das ervas
que fixam estas coisas puras.
Renascia.
Ofício Cantante. Terceiro andamento de Elegia Múltipla.
TAMBÉM NESTE SÍTIO
UMA LEITURA DA OBRA «OFÍCIO CANTANTE»
POR MARIA AUGUSTA SILVA
(Selecionar Herberto Helder pela ordem alfabética do primeiro nome)
• Antologia "Cintilações da Sombra III"
com coordenação de Victor Oliveira Mateus
O Dia da Poesia, a 21 de março (próximo sábado) será assinalado com iniciativas diversas, de entre as quais destacamos o lançamento em Lisboa de dois livros. Assim, às 16h00, no espaço Saber Sabor & Artes (Rua da Junqueira, 438), é apresentada a obra Cintilações da Sombra III, antologia coordenada por Victor Oliveira Mateus, com a chancela da Labirinto. Além do coordenador, o evento contará com a presença do poeta e ensaísta João de Mancelos, que fará a apresentação do livro, e de Gisela Ramos Rosa, para ler alguns dos textos selecionados.
Presente na mesa, igualmente, Daniel Gonçalves, responsável pelo grafismo da obra.
Abarcando autores de vários países, os antologiados nesta terceira edição das Cintilações são, por ordem alfabética do primeiro nome:
Adolfo Cueto (Espanha); Albano Martins (Portugal); Alberto Pereira (Portugal); Alfredo Pérez Alencart (Espanha); Ana Maria Puga (Portugal); Antonio Brasileiro (Brasil); Antonio Cubelos Marqués (Espanha); António Ferra (Portugal); Antonio Praena Segura (Espanha); Artur Ferreira Coimbra (Portugal); Aurelino Costa (Portugal); Casimiro de Brito (Portugal); Cecília Barreira (Portugal); Cláudio Lima (Portugal); Cláudio Neves (Brasil); Cristina Carvalho (Portugal); Daniel Gonçalves (Portugal); Danilo Bueno (Brasil); Ernesto Rodrigues (Portugal); Gabriela Rocha Martins (Portugal); Gisela Ramos Rosa (Portugal); Henrique Levy (Portugal); Hugo Milhanas Machado (Portugal); Inez Andrade Paes (Portugal); Isabel Aguiar (Portugal); Ivone Mendes da Silva (Portugal); Joel Henriques (Portugal); Jorge Melícias (Portugal); José Cereijo (Espanha); José do Carmo Francisco (Portugal); José Félix Duque (Portugal); José Jorge Letria (Portugal); Leo Barbosa (Brasil) 43; Leonardo Chioda (Brasil);
Licínia Quitério (Portugal); Lina Tâmega Peixoto (Brasil); Luís Filipe Pereira (Portugal); Marco Lucchesi (Brasil); Maria Augusta Silva (Portugal); Maria Estela Guedes (Portugal); Maria Isabel Saavedra (Argentina); Maria Jaralabidi (Grécia); Maria José Quintela (Portugal);
Maria Teresa Horta (Portugal); Mariana Ianelli (Brasil); Marília Miranda Lopes (Portugal); Myriam Fraga (Brasil); Nuno Brito (Portugal); Paulo Tavares (Portugal); Pompeu Miguel Martins (Portugal); Rafael Correcher Haro (Espanha); Rafael Saravia (Espanha); Rita Grácio (Portugal); Rui Tinoco (Portugal); Samuel Pimenta (Portugal); Santiago Aguaded Landero (Espanha); Sara Canelhas (Portugal); William Zeytounlian (Brasil).
ENSAIO: Érico Nogueira (Brasil); Miguel Real (Portugal); Victor Oliveira Mateus (Portugal).
• "Deusa da Transparência"
de Joana Lapa (Maria João Fernandes)
Também em Lisboa, na Biblioteca Nacional de Portugal (ao Campo Grande) é apresentada às 16h30 a obra Deusa da Transparência, de Joana Lapa (pseudónimo de Maria João Fernandes), editada pela Afrontamento, ilustrada com fotografias de Manuel Magalhães e prefaciada por Robert Bréchon e por Maria João Fernandes.
Do prefácio de Robert Bréchon realçamos: «Este livro é uma invocação à "deusa". Há uma dimensão quase religiosa nesta palavra; e mesmo se não é uma verdadeira adjuração, se não toma nunca o aspeto de uma prece ou de um pedido, a oração poética testemunha antes de mais da espera de uma revelação. A "deusa" é a promessa de uma vida nova, a verdadeira vida, como disse Rimbaud, onde nos sentimos verdadeiramente no mundo. O paradoxo deste livro fascinante é que pela virtude do verbo poético a jovem apresentada como modelo, de uma beleza completamente humana, se torna esta "deusa". Assim, como as jovens polinésias pintadas por Gauguin, a jovem "mulher florescida" ou "uma jovem em flor?" torna-se um ser mágico, cuja presença reencanta o mundo».
Por sua vez, Maria João Fernandes acrescenta no respetivo prefácio: "O verão de todos os verões, essa estação embriagada de perfumes e de cores, tão verdadeiros como iniciáticos, é o seu domínio de eleição. A osmose entre a mulher e os elementos de uma praia real e mítica, o mar, o sol e as suas metamorfoses, investe-se de todos os segredos, em busca da absoluta evidência, ela apenas capaz de salvar, de reencantar, a vida. Estes segredos e estas evidências desdobram-se ao ritmo das cintilações, dos reflexos da luz e do movimento das águas numa espécie de canto das origens onde permanece intacta a totalidade, ainda que cindida pelas oposições que constituem todo o indizível mistério da vida».
Na ocasião do lançamento será apresentada a escultura de José João Brito dedicada a Maria João Fernandes.
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MARÇO DE 2015
FOTO RODRIGO CABRITA
(cortesia do Arquivo Global Imagens)
Albano, querido Albano,
Há uns trinta anos, eu desesperava na sala do DN Magazine a querer fechar páginas e tu, então ainda na qualidade de colaborador, a atrasares a entrega dos teus textos, porque eras assim, um sonhador que não ligava ao tempo, talvez porque já sentisses pelo tempo uma certa indiferença; talvez porque desejavas que nenhum tempo se impusesse ao tempo da tua vida; talvez porque, acima de tudo, querias ser livre, livre, livre, não ter amarras de relógios e calendários. E de repente chegavas, alto, magro, moreno bonito, sem pressa alguma. Eu e o Pedro Foyos a darmos-te um ralhete com aquele ar de chefias zangadas.
Quem poderia zangar-se contigo, Albano?
Tu olhavas para nós, um olhar só teu, um olhar de menino apanhado em falta mas que merecia ser perdoado. E quem não se rendia a esse olhar de menino? — um menino que era um homem de cultura, brilhante no pensamento e na escrita, como continuaste a ser depois já redator dos quadros do DN, editor, chefe que também se zangava com quem te atrasava o fecho das páginas. Dentro de ti, porém, mantinha-se aquele olhar de menino, aquele sorriso de tolerância que só de vez em quando ficava bravo. E então levantavas a voz, alargavas o passo ao encontro do tempo do jornal, tinha de ser, e logo a zanga passava, porque eras assim, jornalista competente, sábio, inteligente, que não abdicava da sua liberdade de sonhar, de tempo para o sonho, de um tempo para não ter pressa de morrer.
Albano, que tempo foi este que te levou de nós? Um tempo traidor que não entendeu a honestidade do teu tempo. O teu tempo continuava a ser tempo de viver. Tempo de sonhar.
São nenhumas hoje as minhas forças, Albano. Mas quero dizer-te aqui que nunca perdoarei ao tempo o tempo que te roubou. O roubo que nos fez.
Maria Augusta Silva
18 Fevereiro 2015
Victor Oliveira Mateus, dos mais prestigiados nomes da poesia portuguesa contemporânea, prepara a publicação de mais um livro que se intitulará «Negro Marfim». É dessa obra que temos a honra de poder antecipar três poemas-prosa de um autor que já nos habituara a uma poética profunda e esmerada e, porventura, alcança neste seu trabalho um dizer e um apuro literário de suprema qualidade.
JANEIRO DE 2015