JOÃO LOBO ANTUNES
O CIDADÃO QUE NOS DEIXOU RAÍZES, SEMENTEIRAS E FRUTOS

lobo












Tinha uma árvore de eleição: o carvalho — «uma árvore sólida, bem enraizada», disse-nos um dia o Professor João Lobo Antunes ao longo de uma entrevista que lhe fizemos para o Diário de Notícias (Dezembro, 2004). Também ele foi uma árvore sólida e profundamente enraizada tanto nas ciências médicas (ressaltando as neurociências) como nas áreas culturais, no ensino, na literatura, em tudo o que significa ser um cidadão, um cidadão de mérito mundialmente reconhecido.
Deixou-nos de si raízes, sementeiras e frutos. Reflexões abrangentes de sempre e para sempre, quer no âmbito das múltiplas valências da saúde, quer no domínio das sociedades e da tão delicada (complicada) condição humana.  
Ao vê-lo partir com a lucidez e a serenidade de quem sabe perdoar a cruel traição que é a morte quando a vida ainda à vida se dá com todo o seu direito, relembramos essa entrevista, a qual, independentemente do quanto possa situar-se no tempo em termos de algumas perguntas e respostas (decorreu por ocasião do cinquentenário do Hospital de Santa Maria), mantém a intemporalidade do modo de pensar de João Lobo Antunes, a sua capacidade de análise, o seu jeito de comunicar e de chegar aos outros.
Então, sublinhou, por exemplo: «Se um médico ignorar a dimensão espiritual de um doente e se for ignorada também a dimensão espiritual do ato médico, estaremos a amputar-nos de uma qualidade essencial. O médico deve ter a compreensão da dimensão espiritual da pessoa que o procure».
E, a propósito da relação que aos profissionais da saúde cabe se confrontados com o drama de alguém, o sofrimento, não hesitou em mais dizer: «Quem consegue estar neutro, indiferente, deve procurar outra profissão».
João Lobo Antunes legou-nos igualmente uma visão fundada em sabedoria e experiência no que respeita a políticas de saúde em Portugal: «Um dos nossos males é estarmos sempre a começar de novo. Estamos sempre a inventar a roda e nunca chegamos a andar».
Em dado momento, ao perguntarmos-lhe — sente-se mais formiga ou cigarra? -, deu-nos uma breve e magistral lição que lavramos aqui, em sua memória: «Então não sou formiga?! Mas as formigas não precisam de ser mudas. E as cigarras também podem trabalhar…».



TAMBÉM NESTE SÍTIO
GRANDE ENTREVISTA A JOÃO LOBO ANTUNES
NA OCASIÃO DO CINQUENTENÁRIO
DO HOSPITAL DE SANTA MARIA
(selecionar pela ordem alfabética do primeiro nome)








VICTOR SOUSA LOPES: «CONVERSAS NO CAFÉ GELO»
MEMÓRIAS VIVAS SOBRE LISBOA DOS CONTURBADOS ANOS 40


gelo Contextualizado nos anos 40, Conversas no Café Gelo, o novo livro de Victor Sousa Lopes, leva-nos numa viagem por Lisboa, em tempo de grandes acontecimentos e muitos contrastes, narrados em jeito de crónica ficcionada, na perspetiva de um contemporâneo da época, o jornalista Alberto Matias, que o autor conheceu no emblemático Café Gelo. Organizado por ordem cronológica, o autor revisita os acontecimentos marcantes de cada ano dessa década. Dos refugiados acolhidos em Portugal, aos espiões infiltrados na capital, passando pela consagração de Egas Moniz com o Nobel da Medicina, e pelos filmes, peças de teatro e músicas que marcaram uma geração, são apenas alguns dos acontecimentos recordados que marcaram a política, as artes, o desporto ou a economia daquele período tão conturbado, em que Portugal escapava da participação na II Guerra Mundial.
Conversas no Café Gelo, com introito do jornalista Appio Sottomayor, é um verdadeiro documentário sobre a Lisboa dos anos 40. Um conjunto de memórias que possibilita o contacto com o retrato de um tempo, descrevendo factos e crónicas. Repleto de fotografias da época, reúne descrições rigorosas resultantes de uma investigação histórica, alimentada pela curiosidade do autor.

APRESENTAÇÃO DA OBRA POR EDITE ESTEVES

Primeiro que tudo, quero aqui expressar o meu respeito pelo autor do prefácio deste livro que me cabe apresentar, o conhecido olissipógrafo Appio Sottomayor e também jornalista e meu mestre e colega no jornal A Capital, onde estive durante 33 anos. Muito aprendi com ele, não só sobre Lisboa, de que era grande especialista – todas as semanas publicava uma crónica muito lida chamada “O Poço da Cidade” -, mas também de tudo um pouco, porque éramos generalistas naquele vespertino. Tenho pena que ele não tivesse podido aceder à solicitação do autor para fazer a respetiva apresentação de “Conversas no Café Gelo”, um assunto que domina muito melhor que eu. Têm a prova nas linhas do seu prefácio.
Há cerca de cinco anos, o autor, Vítor Sousa Lopes, que eu conhecia só de nome da Sociedade Portuguesa de Autores, onde continuei a trabalhar em jornalismo, desde 2007 depois de reformada e onde edito e escrevo a sua revista “Autores”, pediu-me uma reunião informal e apresentou-me as linhas do prólogo deste projeto com um fôlego especial. Pretendia o meu apoio ao texto, sobretudo na forma como haveria de o apresentar.
E a primeira coisa que me assaltou à vista e ao pensamento foi a importância de o autor ter conhecido aquele que iria ser o protagonista da obra, ou melhor, o relator – ALBERTO MATIAS - no CAFÉ GELO, no Rossio, durante os anos 70. Mais: o facto de ele ser um jornalista da época que Vítor Sousa Lopes queria desvendar na obra — de 40 a 50 do século XX. Especialmente, o período da II Guerra Mundial em Lisboa.
A história do Café Gelo, sede de muitas tertúlias, debates e conspirações, onde nas traseiras que davam na altura para a Rua do Príncipe, hoje Rua 1.º de Dezembro, se reuniam com frequência elementos da maçonaria, anarquistas e carbonários (sabe-se que daqui saíram armados para o Terreiro do Paço, no dia 1 de Fevereiro de 1908, os regicidas Manuel Buíça e Alfredo Costa), e mais tarde os surrealistas, atraiu, desde logo, o meu interesse para o conteúdo da obra de que tinha ali na minha frente a “maqueta” da sua construção. Não hesitei, claro, e ajudei no que pude.
Segundo me disse, também há dias, o editor Manuel Fonseca da Guerra & Paz, que, de parceria com o Fundo Cultural da Sociedade Portuguesa de Autores, apoiou o livro ora a lançar, foi, exatamente, “as conversas no Café Gelo” que desde logo lhe chamaram a atenção.
E ainda bem.
Agradecendo, pois, a todos os que partilharam deste périplo pela história recente da nossa Lisboa, do Portugal cinzento do tempo de Salazar e das suas relações ambivalentes e “mentirosas” com os beligerantes, em prol de uma paz que não era mais do que a ambição da exposição mundial de um império colonial português, quero dizer-vos que, na senda dos nossos cronistas portugueses, o autor transfigurado no jornalista e cronista ALBERTO MATIAS representa o elo de ligação, o fio condutor deste pequeno “quadrado”, que forma com muitos outros mais, o grande painel de azulejos da História.
O autor consegue aqui encaixar, pacientemente, as inúmeras peças do puzzle que constituiu o tempo da II Guerra Mundial vivido em Lisboa, mas também contextualizando-o, necessariamente, no panorama europeu e mundial, envolvido nessa guerra que fez milhares e milhares de mortos, a maioria inocente, sobretudo com o Holocausto.
A memória destes tempos macabros, em que Portugal foi, igualmente, uma vítima, apesar de Salazar ter conseguido impor uma pseudo-neutralidade, deve ser relembrada, como o é neste livro, onde muitos elementos desconhecidos do grande público são desvendados e escalpelizados, na sequência de uma pesquisa aturada e minuciosa. Aqui não falta um álbum riquíssimo de fotografias da época e reproduções várias, por exemplo, de canções alusivas ao que se estava a passar, muitas outras censuradas, e excertos de peças de revista, algumas delas bem cortadas pelos inspetores da “tesoura” da então PVDE (Polícia de Vigilância e Defesa do Estado), depois de 1945 PIDE (Polícia Internacional de Defesa do Estado).
Chamemos-lhe crónica, reportagem ou documentário, o certo é que “Conversas no Café Gelo” poderá ser um livro de estudo para os jovens, mais consentâneo com os nossos tempos, dada a sua apresentação de certo modo cinematográfica, e uma forma dos mais velhos não deixarem cair a esperança no futuro.
Agora, que no dia 5 de Outubro, em que recuperámos o simbólico feriado da Implantação da República Portuguesa, resultado de uma revolução vitoriosa na madrugada desse dia de 1910, tivemos a honra e o orgulho de vermos eleito António Guterres, um homem bom português, para o mais alto cargo das Nações Unidas, impõe-se a leitura de mais esta obra memorialista, se quisermos ajudá-lo na importante e decisiva defesa dos direitos humanos, pela inteligência e pela solidariedade.
Devemos pôr os olhos no Portugal que recebeu no seu seio e ajudou milhares de refugiados da guerra impulsionada por Hitler na década de 40 do século passado para compreendermos melhor o que se passa hoje com os migrantes fugidos da guerra do Oriente e encontrarmos uma via de saída da crise, de modo a erguermos não muros, mas estradas de solidariedade.
Não esqueçamos que é na memória do passado que compreendemos o presente e podemos construir um futuro mais iluminado.


PRÉ-PUBLICAÇÃO DE UM TRECHO DO LIVRO
NO ESPAÇO "CONVIDADOS"





WILTON FONSECA E MÁRIO DE CARVALHO
HISTÓRIA SURPREENDENTE DAS AGÊNCIAS NOTICIOSAS EM PORTUGAL


anonimos Há trinta anos, Portugal tinha duas agências noticiosas. Sinal de riqueza da nossa comunicação social de então? Não. Tratava-se apenas – e uma vez mais - de um sinal da desorientação do Estado português, que não conseguia determinar o papel que deveria caber a uma agência noticiosa nacional.
A história das agências noticiosas (a ANOP e a NP) que deram origem à atual Lusa foi agora relatada, em livro, por dois jornalistas, Wilton Fonseca e Mário de Carvalho, que presenciaram o que aconteceu.
O público consumidor de informação geralmente não dá por elas. No entanto, as agências noticiosas são instrumentos indispensáveis para o trabalho dos jornalistas e de todos os produtores de informação. Funcionam como o comércio grossista em relação à atividade comercial em geral. E exportam, para além-fronteiras, as notícias e os pontos de vista referentes aos seus países, nos mais variados domínios.
Por causa da sua própria natureza, o jornalismo de agência constitui um trabalho anónimo. Assim como é difundido, o serviço deve estar pronto para ser publicado na íntegra ou como parte de uma peça de informação de maior dimensão, lido a um microfone ou utilizado como simples fonte de informação. Daí que os autores tenham escolhido como título da sua história da ANOP e da NP “Heróis anónimos – jornalismo de agência”. A história cobre a criação, a existência e o fim das duas agências em causa.
A ANOP foi criada em 1975, logo após o 25 de Abril, e a NP surgiu em 1982, quando o governo de Pinto Balsemão impôs uma viragem neoliberal à economia portuguesa. Ambas foram fundidas numa única agência, a Lusa, que começou a funcionar no dia 1 de janeiro de 1987.
A ANOP, por seu turno, resultara da fusão de duas agências criadas na década de 40 do século XX, quando a nova ordem mundial resultante do fim da Segunda Grande Guerra abriu novas dimensões à informação global. Eram elas a Lusitânia, fundada pelo jornalista Luís Caldeira Lupi à sombra da Sociedade de Propaganda de Portugal, que começou a distribuir o seu serviço noticioso em 1944, e a ANI, fundada em 1947, uma sociedade por quotas criada pelos jornalistas Barradas de Oliveira e Dutra Faria. A ANI, desde o início, trabalhou em estreita ligação com as grandes agências noticiosas internacionais, que já operavam desde o século XIX. 
O 25 de Abril, portanto, encontrou o país com duas agências noticiosas. O radicalismo político que então se impôs colocou as duas no mesmo patamar, como pilares de sustentação do regime. O primeiro responsável pela Comunicação Social do I Governo Provisório – o jornalista Raul Rego, que foi um dos fundadores do PS - tentou criar uma cooperativa de utentes para substituir as duas agências, mas os seus esforços falharam. O Estado acabou por extinguir a Lusitânia por decreto, forçar os donos da ANI a vender as suas quotas e fundar a ANOP, uma empresa pública. A ANOP conheceria, ao longo da sua existência, diferentes administrações e muitos diretores de Informação, quase um para cada governo.
Durante os seus onze anos de vida, a ANOP constituiu uma verdadeira escola de jornalismo. Por ali passaram centenas de profissionais, alguns dos nomes mais conhecidos entre os profissionais portugueses. Mas foi também um sorvedouro de dinheiro e era incontrolável pelos poderes políticos que a sustentavam. Numa altura em que o país atravessou uma fase voltada para o neoliberalismo, empresários da comunicação social e o governo decidiram fundar uma cooperativa de utentes. Assim surgiu a NP, uma cooperativa de utentes, em 1983.
Ao contrário daquilo que era de esperar, a NP não substituiu a ANOP. O Presidente da República, Ramalho Eanes, vetou o decreto que extinguia a agência. E Portugal viu-se a braços com duas agências noticiosas, em vez de uma. As duas dependiam dos contratos de fornecimento de serviços que mantinham com o Estado. Repetia-se a situação vivida durante três décadas, de coexistência entre duas agências noticiosas.
Após anos de negociações, finalmente a ANOP e a NP deixam de funcionar: a ANOP é extinta por decreto, enquanto a NP é uma das fundadoras da cooperativa Lusa, a agência noticiosa nacional que  completa agora 30 anos.
Para escrever Heróis Anónimos, Wilton Fonseca e Mário Carvalho recorreram a milhares de documentos, dezenas de entrevistas e centenas de artigos de jornal. Uma boa parte do material encontrava-se depositado num armazém do Pendão, em Queluz, arredores de Lisboa, onde ainda podem ser encontrados documentos das empresas a que pertenceram jornais como O Século, o Diário Popular e A Capital, e aos mais diversos departamentos do Estado. A parte referente à ANOP e à NP (e ainda algum material pertencente à ANI) está hoje na sede da Lusa e tem sido limpo, tratado e digitalizado.
No prefácio que escreveu para o livro, afirma o deputado Jorge Lacão: «À distância que a voragem do tempo implica, seria certamente estulto pretender esboçar juízos perentórios quanto a motivações e a resultados de muitos dos comportamentos descritos. Mas a prudência de julgamento não impedirá o leitor de se surpreender em relação a tantos procedimentos e caminhos erráticos com que se deparará neste livro. E não impedirá de verificar quantas dessas errâncias foram o resultado de instrumentalizações demasiado óbvias, quase sempre de responsabilidade direta ou indireta do poder político».
Talvez por isso a ANOP tenha levado quase trinta anos para ser extinta. A sua Comissão Liquidatária só deixou de funcionar durante o governo de Passos Coelho. Tinha sido criada em 1986, com um prazo de 30 dias para concluir os seus trabalhos.
A história da ANOP e da NP vai ser seguida, dentro de pouco tempo, por um segundo volume, dedicado às duas primeiras agências noticiosas portuguesas, a Lusitânia e a ANI, fundadas nos anos 40 e encerradas já depois do 25 de Abril, para dar lugar à criação da ANOP. Desta feita, Wilton Fonseca conta com a colaboração de António Santos Gomes, que foi durante muitos anos diretor técnico da ANOP (e mais tarde da Lusa) e trabalhou na ANI desde a sua juventude (o seu pai, Barradas de Oliveira, foi um dos fundadores da agência).




MANUEL ANTÓNIO PINA
REENCONTRO COM FIGURA MAIOR DA CRIAÇÃO LITERÁRIA

pina
Uma renovada antologia de entrevistas, organizada por Sousa Dias, fala-nos da grandeza do poeta Manuel António Pina, do jornalista, do escritor exímio no domínio da literatura infanto-juvenil, do autor também brilhante da ficção Os Papéis de K, do homem que nos disse um dia que, no seu sentido mais lato, «O amor é a única coisa capaz de sobreviver e a única coisa por que vale a pena que sobrevivamos».
Ao longo de uma dúzia de entrevistas selecionadas para esta edição intitulada Manuel António Pina — Dito Em Voz Alta, os leitores, tanto como os historiadores da arte literária, facilmente poderão entender o pensamento e o dom criativo de uma das maiores figuras da cultura portuguesa. As entrevistas que integram o volume foram realizadas por Américo António Lindeza Diogo e Osvaldo Manuel Silvestre, Ana Marques Gastão, Anabela Mota Ribeiro, Carlos Vaz Marques, José António Gomes, Luís Miguel Queirós, Maria Augusta Silva, Maria Leonor Nunes, Sarah Adamopoulos, Sérgio Almeida, Sérgio Costa Andrade e Sérgio Guimarães de Sousa, e publicadas entre 2000 e 2012 em diferentes espaços da comunicação social.
Com a chancela da Sistema Solar / Documenta, Dito Em Voz Alta permite-nos um apetecido (re)encontro com Manuel António Pina, o seu modo de dizer a vida, a morte, o mundo, as pessoas, a literatura, a filosofia, o direito, a espiritualidade, a elegância da ironia, o espanto, a serenidade, o esquecimento e a memória.
Manuel António Pina, nascido em 1943, deixou-nos em 2012 (no ano anterior somou a muitos outros o Prémio Camões). Perdura a sua obra da qual sublinhamos títulos como Nenhum Sítio, Cuidados Intensivos, Nenhuma Palavra e Nenhuma Lembrança, e Atropelamento e Fuga.







PEDRO FOYOS
ROMANCE EM QUARTA EDIÇÃO NAS LIVRARIAS


vergilio Um menino-herói (o "General Leo") procura combater as violências que lhe infligem alguns colegas mais velhos e nesse sentido recorre à imaginação e ao sonho. Com a inesperada cumplicidade das árvores de um Jardim Botânico vence as lágrimas nunca confessadas.
Pedro Foyos, nesta nova obra de ficção com uma quarta edição lançada no primeiro dia da Feira do Livro de Lisboa, conduz-nos à redescoberta do universo da infância, à idade da pureza primordial, quando os atos pouco dependem da racionalidade. A par da comicidade inverosímil dessa inocência, uma verdade trágica: os gangues, as praxes cruéis e, sobretudo, o fenómeno "bullying" (tirania juvenil de forma continuada) de que são vítimas em Portugal milhares de crianças e adolescentes.
No decurso das sucessivas edições deste romance, profissionais das Ciências da Educação têm realçado Botânica das Lágrimas como  leitura aconselhável (ou «obrigatória», na expressão do escritor e também professor Miguel Real) a educadores, assistentes sociais, professores e pais, além dos próprios jovens. É ainda Miguel Real quem assina o prefácio, destacando tratar-se de «um dos romances mais marcantes na literatura juvenil portuguesa», não deixando de constituir uma obra para todas as idades.
Este é igualmente um livro de descoberta científica, aliciando os leitores sensíveis à temática da Natureza e preservação do Ambiente.
A "viagem" aventurosa narrada nestas páginas decorre em tempo real. Tudo se passa num sábado primaveril, entre as 09h15 e as 12h00.
O romance inspirou um filme no Brasil, estreado no dia de Natal de 2013 e visto até agora por mais de 50 milhões.




CORINO ANDRADE E MARIANO GAGO
HOMENAGEM A DOIS VULTOS DAS CIÊNCIAS E CULTURA

vergilio













Dois auditórios do Instituto de Investigação e Inovação em Saúde da Universidade do Porto (i3S), cuja sede foi recentemente inaugurada, receberam os nomes de Corino Andrade e Mariano Gago, prestando-se assim homenagem a duas personalidades que marcaram, em diferentes épocas mas para sempre, as áreas das ciências e da cultura portuguesas, projetando-as, inclusive, num plano mundial.
Englobando três das mais prestigiadas unidades científicas do País enraizadas no Porto — Instituto de Patologia e Imunologia Molecular (Ipatimup), Instituto Nacional de Engenharia Biomédica (INEB) e o Instituto de Biologia Molecular e Celular (IBMC), aquele centro de investigação (i3S) objetiva o desenvolvimento de todos os projetos que possam ajudar a responder com renovada eficácia aos desafios que se colocam cada vez mais e em particular nos domínios da Saúde, nomeadamente nas doenças oncológicas e neurológicas. vergilio

Ao lembrar-se Corino Andrade, que nos deixou em 2005, com 99 anos, evoca-se o notável neurocientista que, a partir de 1938/39 (após a fase de Estrasburgo e da Alemanha, determinantes na sua formação profissional), começou, no Porto, a identificar “Uma Forma Peculiar de Neuropatia Periférica”, síndrome que andava sem diagnóstico ou com diagnóstico errado. A sua descoberta ficou internacionalmente conhecida por Paramiloidose de Andrade ou Doença de Andrade, e, em Portugal, até então, popularmente “batizada” de “doença dos pezinhos”.
Esta investigação de Corino Andrade, entre outras que empreendeu, deveu-se ao seu espírito ímpar de tenacidade, análise sistemática, invulgar cuidado na observação clínica e estudo atento da história familiar do paciente, igualmente uma aptidão diferenciada para correlacionar dados, sintomas, sem nunca perder de vista o doente como um todo indivisível.
Excecional médico de neurologia e neurocirurgia, homem de vasta e sólida cultura, humanista indomável, avesso a tontas vaidades, fazia da salutar dúvida metódica uma ferramenta de pesquisa, persistente, incansável. Esses os seus recursos, a sua grandeza. Uma vida e obra de excelência, vencendo sem desânimos os tantos reveses que o não pouparam.   
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Com igual merecimento e sentido de justiça é também prestada homenagem ao investigador Mariano Gago, no Instituto de Investigação e Inovação em Saúde da Universidade do Porto (i3S). Licenciado em Engenharia Eletrotécnica, Mariano Gago dinamizou de forma incomum os campos das culturas científica e tecnológica, bem como o Ensino Superior em Portugal. Distinto Professor catedrático, as suas qualidades de cientista projetaram-se em diversos trabalhos e colaborações a nível internacional. Mariano Gago desempenhou entretanto relevantes funções, entre as quais as de Presidente da Junta Nacional de Investigação Científica e Tecnológica, Ministro da Ciência e Tecnologia (1995-2002) e Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (nomeado em 2005). Aos 66 anos, em abril de 2015, a morte pôs fim ao seu brilhante percurso fundado numa incontestável capacidade e qualidade de trabalho.
A memória resguarda estes vultos (Corino Andrade e Mariano Gago) que de si tudo deram em prol das dinâmicas científicas, cívicas e culturais, sabendo ambos que o futuro começa no tempo antes do amanhã e o hoje obriga à constante pergunta feita por Corino Andrade: «Que há de novo?».

MAS / MAIO 2016





MESTRE ANTÓNIO AGUIAR
NUNCA ADEUS A UM REPÓRTER DA VIDA

A morte. Apoio-me nos filósofos mas não basta. Confortam-me palavras amigas, porém a dor sangra irremediavelmente quando a morte de alguém nos faz morrer também um pouco ou morrer muito, mesmo muito.
Partiste, António Aguiar. Dão-me a notícia cuidadosamente. Estremeço no meu silêncio. Mais uma perda que sofro. E chamo-te dentro de mim: quero ir contigo para nova reportagem. Quero sentir o teu fascinante e contagiante apego à arte de contar por imagens o grande acontecimento ou o pequeno-nada do quotidiano sempre maior no registo ímpar da tua garra de fotojornalista. Quero continuar a ver-te pelas ruas de Lisboa a “bater a chapa” no instante exato, a apanhares o “boneco” irrepetível, os «folclores» — como gostavas de os definir, e de excelência, a preto e branco, autênticas preciosidades jornalísticas. Quero olhar-te os olhos límpidos, o caminhar firme equilibrando os ombros que se curvavam sob o peso da sacola a tiracolo repleta de máquinas, filmes, lentes, todo o recheio então indispensável à tua azáfama, à tua paixão. Quero deliciar-me com o jeito de acarinhares a máquina fotográfica colada ao peito, tocando-te o coração, entrando-te no coração, a qualquer hora da vida.
Chamo-te dentro de mim. Vejo-me contigo um dia, num banco da Liberdade, dessa avenida que o arquiteto Pardal Monteiro dotou admiravelmente ao construir de raiz uma inconfundível morada do Diário de Notícias, e Almada Negreiros imortalizou com os seus painéis. Íamos falando, falando, tu, teimosamente, a tratares-me sem tu, eu a pedir-te o tu da amizade imensa e sã que nos ligava, tu acanhado, vencendo por fim esse escrúpulo que me entristecia. Obrigada, António.
Continuamos no banco da Liberdade, a tua voz quase a medo: «Maria, anda comigo uma vontade de pedir ao chefe Pires para não me mandarem fazer conferências de Imprensa, plenários da Assembleia da República, essas coisas muito engravatadas, paradas, sempre o mesmo, conversa, conversa, que respeito, mas a minha máquina não dá para aquilo, tem o meu feitio... Não nasci para ficar com os pés e os olhos quietos».
Afoitei-te: Fala com as chefias. Recordo como o chefe Pires (Fernando Pires) foi sensível à tua sensibilidade. Afinal, o jornal só ganharia se andasses à solta, de rua em rua, reportagem a valer, ou na descoberta de assunto para reportagem.
Permite-me um breve parêntesis, António: o nosso Fernando Pires deixou-nos há um ano. Não tenho sido capaz de lhe escrever um adeus. Se o encontrares nesse enigmático além, poderás explicar-lhe a razão: Preciso de o manter vivo, de esperar todos os dias pelo seu telefonema dos últimos tempos, com a voz já frágil e ainda assim alentando-me: «Não desistas, Maria».
Desculpa-me o desabafo, esta pura metafísica. E que mal tem? Tu, António, responder-me-ias, emocionado: «mal nenhum».
A ti regresso, guardo na minha pele as lágrimas que uma vez (mais de uma vez) te acolhi, abraçando as agruras a que a vida te não poupou, nomeadamente doenças delicadas no teu agregado familiar e lutos incuráveis. Sendo certo que a máquina fotográfica era a tua amante insubstituível, não é menos verdade que a família nunca saía da moldura da tua alma. Admirava-te igualmente por isso. Gostava de ti igualmente por isso.
António, meu querido António Aguiar, tu, homem íntegro, profissional de rara estirpe, homem a quem a dureza de tudo negou o direito a ser criança e não consentiu que frequentasses a escola sonhada, tu, por todos respeitado, premiado, deste-nos em cada momento a suprema lição: a grandeza e beleza da simplicidade.
Chamo-te, pois, na minha dor pela tua ausência. Volto a estar ao teu lado entrevistando-te (há quase quatro décadas!) para o Foto-Jornal. Tu, aflito: «Uma entrevista, Maria, quem sou eu para dar uma entrevista?!».
Eras (és) um exemplo. Nessa entrevista, com a humildade dos genuínos, disseste-me: «Os meus sonhos são os mesmos de sempre. Quero ser feliz a fotografar o que eu gosto, sem me esquivar, contudo, ao trabalho, mesmo quando este não me entusiasma».
Foi assim o teu caminho até aos 83 anos em que se fecham os teus olhos mas permanece a luz das imagens que nos legaste, um património jornalístico e sócio-cultural a merecer divulgação em esmerada coletânea. Em tempos (nos primórdios dos almoços ADN’s / antigos profissionais do DN) pensou-se num projeto desse género. O nosso infatigável José Maria Ribeirinho, brioso artista gráfico que ao DN também pertenceu, abordou-me nesse sentido e contaria com o meu (singelo) apoio no âmbito do texto para um álbum que prestasse vasto testemunho da tua carreira no fotojornalismo, na qual, afinal, consagras facetas marcantes da história sociológica do nosso País, do nosso Povo. Não foi possível até hoje concretizar essa ambição, essa edição. Somos uns pobretanas… ricos apenas em moeda sem valor na bestialidade de mercados e dos milhões que nos comandam. Mas, caramba!, não haverá por aí quem te faça essa justiça?
Quando te retiraste da redação do Diário de Notícias, a malta surpreendeu-te com um jantar de homenagem, ofereceu-te uma objetiva simbolizando o nosso desejo de que prosseguisses o teu sonhar. Nesse encontro de camaradagem e ternura, de memória e gratidão, coube-me apresentar uma proposta do Pedro Foyos (ausente de Lisboa) pedindo-me para a submeter à apreciação dos colegas. Em súmula, rezava assim: Proponho que António Aguiar seja reconhecido e tratado por Mestre António Aguiar.
Todos, em pé, aplaudiram, e, a uma só voz, gritaram: Mestre António Aguiar. Choraste, feliz, igual a ti próprio. Sorrias, humilde como só tu sabias ser.
António, Mestre António Aguiar, talvez num destes amanhãs sem calendário nem relógio nem geografia, cheguemos ambos à redação de um jornal imaginado e tenhamos marcada na agenda uma reportagem conjunta, algures, de rua em rua, para matarmos saudades. Para matarmos a morte.
Nunca adeus a um repórter da vida.

  MARIA AUGUSTA SILVA  / 30 ABRIL 2016





TAMBÉM NESTE SÍTIO
FOTOGRAFIAS DE ANTÓNIO AGUIAR
SELECIONADAS PELO AUTOR
PARA A NOSSA FOTOTECA DOS ALIADOS


( LOCALIZAR PELA ORDEM ALFABÉTICA DO PRIMEIRO NOME )


aguiar



ANTÓNIO AGUIAR
ENTREVISTADO
POR MARIA AUGUSTA SILVA
EM ABRIL DE 1980

Quem o vê logo lhe adivinha uma grandeza de sensibilidade que nem o constante ar de (aparente) ausência consegue diluir ou sequer empalidecer.
Chama-se António Aguiar. De seu nome completo: António Luís dos Santos Aguiar, nascido há 46 anos na freguesia de Santa Isabel, em Lisboa.
A sua vida é a fotografia de rua. Do quotidiano: do flagrante; do povo, no mais belo, intenso e puro significado deste termo.
O jovem de cabelo encaracolado e sedoso, a quem o tempo trouxe, entretanto, a calvície e um neto, ama as pessoas por igual se as sentir honestas e francas. E é também de um jeito simples e quase inocente que um dos melhores repórteres fotográficos portugueses pratica uma “bigamia”, dia a dia perdoada pela mulher compreensiva e habituada a tão despudorada traição. Imaginem: chova ou faça sol, seja tarde ou cedo, o António dorme com a sua máquina em cima da mesinha de cabeceira, bem pertinho de si e praticamente agarradinho a ela. Porque, a qualquer momento, o acontecimento pode chamá-lo.
Eis a justificação. E ele sai disparado, calças enfiadas por cima do pijama se preciso for e remela afastada com a ponta dos dedos, que o banho será tomado depois, quando o vagar permitir.
Aqui temos, pois, o António. Com uma samarra castanha a disfarçar a curvatura dos ombros sempre carregados de maquinaria; de todas essas coisas esquisitas que tornam os fotógrafos «malditos».
Sabemos antecipadamente que não será fácil levá-lo a falar dos seus trabalhos. Da sua paixão. Da sua peculiar forma de ver o mundo e de o fixar em imagens que nos chamam para dentro da sua alma, onde fundamentalmente está a naturalidade do real.

                                                       sep

Uma entrevista…
O António olha-nos como se não tivesse entendido. Mas não consegue desarmar-nos.
— Porquê a Fotografia?
— Sempre andou comigo esta mania… Mas tem sido uma vida dura, embora toda a gente tenha procurado dar-me apoio e me ajudasse. O meu pai ganhava muito pouco. Sabe como era… Não houve outro remédio de que começar a trabalhar desde muito novo. Arranjaram-me um serviço na Companhia das Águas. Fui limpar aquedutos. E aguentei sete anos naquilo. Só que os meus sentidos estavam na Fotografia. Numa hora livre, toca, lá ia eu de máquina às costas. Os deveres, porém, eram sagrados. Não prejudicava ninguém, mas embirrava com o boné da farda que tinha de usar. Uma norma da empresa. Foi uma chatice. Recusei-me a pôr o boné.
— Que raio tinha esse boné, António?
— Nada. Eu é que tinha um cabelo bonito de mais… Cheio de caracóis, sedoso, lindo a valer. E o boné estragava-mo todo. Não podia ser, o meu rico cabelinho… Quando me olhava ao espelho… que vaidade… O chefe implicava e passava o tempo todo a dizer-me: tens de usar o boné, é obrigatório, faz parte do fardamento. Pois sim, quem é que me enfiava o boné. Até que um dia o chefe João irritou-se ao ponto de me gritar: ou pões o boné ou tens de te ir embora. E eu fui-me embora. Com o meu cabelo a brilhar. O meu pai ficou aborrecidíssimo. Eu também, mas o meu cabelo… P’ra que era o boné e que mal fazia não trazer o diabo do boné metido na cabeça? Olhe, peguei outra vez na máquina de retratos, a procurar ganhar alguma coisa. Foi então que um primo me conseguiu um lugar para canteiro. Sem boné. Estive 15 anos naquela profissão, todo torcido, porque o que eu gostava de fazer era fotografia. E tinha (e tenho) um desgosto grande por não ter seguido, como seria justo, a escola que, infelizmente, era negada a tanta criança. Naquele tempo, meu Deus!, como tudo se tornava amargo… Uma vez por outra pedia ao mestre Pedro (que santo homem aquele!) para me deixar sair um pouquinho mais cedo, a ver se fazia uma reportagem.

No “República”
Foi no jornal “República” que apresentei pela primeira vez os meus trabalhos. Fiz grandes reportagens e vendia as fotografias a 25$00. Depois, o “Diário Popular” solicitou igualmente a minha colaboração e o mesmo aconteceu com o “Diário de Notícias”. Andava quilómetros e quilómetros pela cidade à procura de assunto. É isso que eu gosto de fazer em fotografia. Não simpatizo com conferências de imprensa ou cerimónias do género, de imagens muito semelhantes, muito engravatadas…

As zangas por via de…
A minha mulher zanga-se comigo porque eu não gosto de sair com ela… Rabugices… Ela sabe bem que eu a adoro, mas gosto mais de andar com a minha máquina a deambular por aí. São feitios. Aqui há tempos, tanto pediu que fomos ao teatro, com bilhetes para a 2ª sessão. Íamos num táxi quando rebentou uma tromba de água. Pedi ao motorista para me deixar ficar e que fizesse o favor de levar a minha mulher à porta do teatro. Ela viu o espectáculo e eu fui fazer a reportagem do temporal. Fiquei todo encharcado. O que vale é que as zangas passam depressa.

Os mesmos sonhos de sempre
A primeira máquina fotográfica do António Aguiar foi uma Petri. Trabalha agora com uma Nikon. Não tem demasiadas ambições: «Os meus sonhos são os mesmos de sempre. Quero ser feliz a fotografar o que gosto, sem me esquivar, contudo, ao trabalho, mesmo quando este não me entusiasme. Há tarefas que têm de fazer-se por dever e zelo profissional. Independentemente disso, procuro realizar as minhas preferências e, afinal, toda a minha vocação que é, sem dúvida, a fotografia de rua; do que nela sucede a cada instante e do que nela vive sem quase nos darmos conta».
Se tivesse dinheiro, o António talvez se tentasse a montar um laboratório em casa, bem apetrechado, inclusive com um espelho para recordar os tempos do boné e dos caracóis sedosos que as namoradas invejavam… Assim, vai fazendo os seus «folclores», sem alaridos. Alguns são publicados, outros ficam na coleção caseira.
Paciência não lhe falta para procurar imagens verdadeiramente enternecedoras e, não raro, envolvendo uma crítica implacável e arguta: «Não forço situações. Não gosto de coisas fingidas. O que capto com a minha máquina são cenários naturais».
Os contrastes e o que de insólito, até, chegamos a encontrar em centenas de fotografias do António Aguiar, traduzem, em suma, todo esse quotidiano das pessoas que não escapa a um repórter nascido para a rua, para as crianças, para a Natureza. A mostra de imagens que reproduzimos é insuficiente para «dizer» do mundo inteiro (do seu País) tratado nas fotografias de um autor preocupado mais com a simplicidade e a singularidade dos seus trabalhos do que com a comercialização ou divagação do seu nome e das suas obras.
Ele é um repórter de todo o momento, mas é, ainda, ou, porventura, acima de tudo, um apaixonado pela vida que a sua câmara imortaliza.
Não peçam ao António uma obra estilizada, nem lhe perguntem o que pensa das diversas correntes artísticas da Fotografia. Deixem-no ficar na rua, de máquina em riste, galgando quilómetros, a pé, que ele será feliz. Porque fotografa à dimensão da sua sensibilidade.

MARIA AUGUSTA SILVA / FOTO-JORNAL / ABRIL 1980





CENTENÁRIO DA MORTE DE MÁRIO DE SÁ-CARNEIRO
UM GÉNIO PERDIDO NO SEU LABIRINTO

vergilio












Não chegou a completar 26 anos. Mário de Sá-Carneiro nasceu em Lisboa a 19 de maio de 1890 e pôs termo à vida a 26 de abril, 1916, na cidade de Paris.
Assinala-se o centenário da sua morte revisitando-lhe a poesia, os contos, a correspondência com o amigo de sempre, Fernando Pessoa.
Uma escrita que porventura nos faz hoje olhar mais fundo, mais além, o poeta que dizia ter « … a alma amortalhada, perseguindo o "crepúsculo" entre o desejo de (…) Um pouco mais de azul (… e a…) Asa que se elançou e não voou…»
Mas fica na história da literatura portuguesa como um dos seus maiores.
Recordamos um dos últimos poemas, escrito dois meses antes do trágico fim.

AQUELE OUTRO

O dúbio mascarado — o mentiroso
Afinal, que passou na vida incógnito.
O Rei-lua postiço, o falso atónito —
Bem no fundo, o cobarde rigoroso.
Em vez de Pajem, bobo presunçoso.
Sua Alma de neve, asco dum vómito —
Seu ânimo, cantado como indómito,
Um lacaio invertido e pressuroso.
O sem nervos nem Ânsia — o papa-açorda,
(Seu coração talvez movido a corda…)
Apesar de seus berros ao Ideal.

O raimoso, o corrido, o desleal —
O balofo arrotando Império astral:
O mago sem condão — o Esfinge gorda…




MANUEL ALEGRE: "VIDA LITERÁRIA" E "CONSAGRAÇÃO DE CARREIRA"
COM O POETA CELEBRAMOS DIA MUNDIAL DA POESIA 2016

azevedo




















Manuel Alegre visto por André Carrilho

Com uma obra vasta e marcante tanto na arte poética como na ficção, Manuel Alegre vê mais uma vez distinguida a sua criatividade literária, desta feita com o prémio Vida Literária da Associação Portuguesa de Escritores (APE). A 20 de maio próximo irá também receber o Prémio de Consagração de Carreira da Sociedade Portuguesa de Autores (SPA).
Mais de meio século de escrita, erguendo a palavra e a voz em nome da liberdade, desde logo com “Praça da Canção” (1965) que teve influência decisiva na geração de sessenta do século passado, Manuel Alegre é, sem dúvida, uma personalidade de referência quer no mundo da literatura contemporânea, quer no âmbito cívico e político.
Perguntámos-lhe um dia (em entrevistas para o Diário de Notícias e para o livro Poetas Visitados)se era um romântico. Resposta sem hesitação: «Não tenho o instinto de posse. Tive sempre um grande sentido de efemeridade. Gosto das minhas comodidades mas talvez não me importasse de ser monge».
Manuel Alegre, monge! Saibam então porquê: «A vida conventual tem os seus encantos, a sua espiritualidade. Gosto de estar a sós comigo, não gosto de ser incomodado».
De imediato contrapusemos:
Mas gosta de incomodar.
E Manuel Alegre igual a si próprio:
«Quando me incomodam, eu incomodo».
É assim um autor que nos sublinha: «A arte só tem sentido se colocar a interrogação. A literatura deve ser a arte de interrogar».
É assim este homem nascido em Águeda (1936), irreverente, inconformado por natureza, uma essência que a sua obra (poesia e prosa) transmite num apego aos valores da dignidade humana.
Quando em dado momento o interrogámos sobre se a liberdade acabaria por ser uma flor muito frágil, surge a resposta de uma firmeza tocante:
«Deve proteger-se. Há sempre liberdades a conquistar».
Nesta oportunidade, com Manuel Alegre celebramos o Dia Mundial da Poesia.

MARIA AUGUSTA SILVA
21 MARÇO 2016
  


UM LIVRO

Um livro escreve-se uma vez e outra vez.
Um livro se repete. O mesmo livro.
Sempre. Ou a mesma pergunta. Ou
talvez
o não haver resposta.
Por isso um livro anda à volta sobre si mesmo
um livro o poema a prosa a frase
tensa
a escrita nunca escrita
a que não é senão o ritmo
subterrâneo
o anjo oculto o rio
o demónio azul.

Um livro. Sempre.
Um livro que se escreve e não se escreve
ou se rescreve junto
ao mesmo mar.

Um livro. Navegação por dentro
errância que não chega a nenhuma Ítaca.
Um livro se repete. Um livro
essa pergunta
incognoscível código do ser.

Metáfora de cornos e pés de cabra.
Um livro. Esse buscar
coisa nenhuma.
Ou só o espaço
o grande interminável espaço em branco
por onde corre o sangue a escrita a vida.
Um livro.

(EXTRAÍDO DE «LIVRO DO PORTUGUÊS ERRANTE»)



TAMBÉM NESTE SÍTIO
GRANDE ENTREVISTA A MANUEL ALEGRE
POR MARIA AUGUSTA SILVA






CENTENÁRIO DE VERGÍLIO FERREIRA
GRAVAÇÃO ÁUDIO INÉDITA DE UM ENCONTRO ENTRE O ESCRITOR E JORNALISTAS

vergilio












Associamo-nos à celebração do centenário do nascimento de Vergílio Ferreira lembrando uma entrevista em roda livre, ao longo de um encontro informal entre o escritor e jornalistas do Diário de Notícias. Decorridos cerca de 25 anos, revestem-se de imensa curiosidade e até atualidade trechos desse convívio, escutando-se Vergílio Ferreira, por exemplo, a manifestar preocupação com «o problema islâmico» ou a enaltecer Mário Soares pela forma como exercia (1990) o cargo de Presidente da República.
Coube então a Maria Augusta Silva reportar jornalisticamente as opiniões do escritor para as páginas do Diário de Notícias, sublinhando a vida e a obra de um dos mais importantes autores da língua portuguesa.
Proporcionamos aos nossos leitores um fragmento áudio, nunca divulgado, de cerca de 30 minutos, com o escritor discorrendo com vivacidade sobre variados temas.








EDUARDO LOURENÇO VENCE PRÉMIO VASCO GRAÇA MOURA
«TUDO O QUE SABEMOS NÃO PASSA DE UMA GOTA DE ÁGUA»

azevedo











Foto: Orlando Almeida


Uma personalidade ímpar. Um pensador marcante. Uma vasta obra que nos dá a dimensão de um ensaísta capaz de chegar a todas as pessoas, colocando o saber, a inteligência, o sentimento humano nas palavras, nas análises e reflexões de uma simplicidade tal que só os maiores conseguem.
Eduardo Lourenço, 92 anos, é o justo vencedor do Prémio Vasco Graça Moura – Cidadania Cultural, atribuído pela primeira vez. (O galardão é promovido pela Estoril-Sol em parceria com a editora Babel).
O júri, por unanimidade, consagrou assim a atividade cultural de Eduardo Lourenço, a sua consciência cívica exemplar, uma voz da liberdade e da tolerância.
Quando em tempos o entrevistámos, perguntámos-lhe a dado instante:
Cultura, a melhor forma de nos redimirmos?
Eduardo Lourenço respondeu:
— Nunca tive um discurso idolátrico da cultura. Sempre pensei que a cultura é um lugar da consciência contra as tentações idolátricas e uma dessas idolatrias é a da própria cultura, porque a idolatria é que nos é natural. A anti-idolatria, essa é que tem de ser conquistada. E termos consciência de que tudo o que sabemos não passa de uma gota de água.



TAMBÉM NESTE SÍTIO
EDUARDO LOURENÇO
entrevistado por Maria Augusta Silva