memorias magicas

         Deixa voar bem alto a fantasia!
          Sem ilusões, o mundo que seria?

                                                   RAMÓN DE CAMPOAMOR (1817-1901)

    2.

       BASTIDORES DA ILUSÃO

filete


As marionetas não gostam que se lhes descubram os fios.
Há no espetáculo da magia uma fronteira inapreensível que ninguém
estranho à arte deverá querer transpor. Porque, forçada a linha confinante
do encantamento, as ilusões convertem-se em desilusões.


SESSÃO SECRETA PARA
MÁGICOS APRENDIZES

...Que fazer, quando o passe corre mal?
A pergunta é disparada da segunda fila da plateia. Parte de alguém que não terá mais de 18 anos. Minutos antes, ao entrar na sala, apercebera-me de que um setor da assistência era bastante jovem: são os mágicos aprendizes. Debutantes na arte. Constituem o público mais interessado dos congressos e encontros de convívio.
No palco, o conferencista termina uma demonstração técnica de "empalme" de moedas. Minutos antes advertira:
— Optem sempre por pedir as moedas emprestadas a um espetador; verificarão que a atuação resultará mais credível, as pessoas aceitarão o efeito sem reservas.
Exemplifica a seguir, com extraordinária habilidade, o mesmo número empalmando três cigarros. «Uma tripla produção», anuncia. Mas um dos cigarros está aceso e o passe final é muito difícil. Uma manipulação deficiente poderá originar, inclusive, uma queimadura na palma da mão.
Tão-logo o conferencista se disponibilizou para esclarecimentos adicionais, aquele jovem perguntou, pois:
— ...Que fazer, quando o passe corre mal?
Murmúrio de risos na sala, os mais velhos entreolhando-se na cumplicidade da resposta conhecida. Afluem recordações de desaires secretos, embaraços terríveis, a visão do público a perscrutar malevolamente – um mar medonho de rostos – e parece avançar a onda que, no instante seguinte, rebentará numa vaia de desdém.
O conferencista também sorri, mas compassivo, quase terno, aguardando que a serenidade volte à assembleia. Depois, seriamente:
— Não esqueçamos, nunca, que a segurança, a perfeita exatidão só as alcançaremos com muito trabalho, treino constante. Devemos renunciar à tentação de exibir um número quando subsistem dúvidas quanto ao automatismo irrepreensível que tenhamos conseguido atingir. É essencial não trabalhar às cegas...
Continua neste tom, perante a notória ansiedade da assistência. De imediato se constata, porém, que a arenga preliminar não serve de escusa à resposta:
— Bem, mas sabemos, de facto, que, às vezes, apesar de todos os cuidados e de todo o talento posto na execução do número, acontecem falhas. – Enfrentando o jovem: – No caso concreto dos cigarros empalmados, se o cigarro aceso se encontra mal posicionado para a sequência da rotina, se julgamos impossível o domínio para dar continuidade à manipulação, será preferível, então, fazê-lo surgir, fora do momento, mesmo que o público se dê conta, assim, da posição de empalme. É evidente que tudo deverá ser feito de um modo dissimulado. Quanto possível! Como bem entenderão, todas as soluções serão melhores do que deixar cair o cigarro no chão...
Ao fundo da sala alguém pergunta num tom segredado e gozoso mas percetível na plateia inteira:
— E se cair mesmo?
O amigo da onça suscita nos confrades gargalhadinhas de conluio.
Lá à frente, no palco, o regente acolhe com naturalidade a intervenção desarmante:
— Se, por muito azar, isso acontecesse, poderíamos simular que o tínhamos feito de propósito. Numa vicissitude como essa, eu talvez deixasse cair outro cigarro, mas ostensivamente – (exemplifica, mimando um artista tipo desastrado). – A verdade é que uma colherada de comédia com uma outra de imaginação costuma safar-nos desse género de agruras. Uma pantomina oportuna pode ser um meio persuasivo para dominar a situação. Mas... voltemos ao truque. Conservamos, ainda, o terceiro e último cigarro, não é verdade? Pois aproveitaríamos essa valiosíssima possibilidade derivativa para acionar uma rotina de um só cigarro. Mais alguns passes, um floreado de disfarce, a atenção do público estará distraída por um lapso de tempo e, rapidamente, passaríamos para um outro número. Uff!... à sorrelfa, num piscar de olhos, sairíamos da aflição.
O conferencista dirige-se ao anónimo do fundo, levanta a voz:
— Meu amigo, é fundamental sangue-frio para conservar a calma. O nervosismo é o principal adversário do mágico. – Pausa. A frase seguinte é quase declamada: – Presença de espírito! Muita presença de espírito! Alguns de vocês já terão ouvido falar no caso daquele mágico belga que, no princípio do século XX, se suicidou, em pleno teatro, no termo de um fracasso estrondoso. – Logo a seguir, como se alguém o admoestasse por uma omissão: – Claro, claro, também é preciso uma grande capacidade de improvisação e poder de sugestão para sair das dificuldades. Lembremo-nos de que a arte mágica é indissociável de uma boa dose de vocação teatral. Um mau ator jamais será um bom mágico. As escorregadelas acontecem a todo o momento, no entanto, com um pouco de sorte, o público não distinguirá as falhas. Reparem neste paradoxo: por vezes encerramos um número em moldes substancialmente diferentes do que foi planificado e observamos em segredo, para nós próprios, que a coisa até saiu melhor...
Tenho na cadeira ao lado o sábio "mentor" profissional que possibilitou a minha presença nesta sessão. Confidencia-me:
— Parece surpreendente, mas o público, em geral, reage aos fracassos que se figuram irremediáveis como se correspondessem a remates normais, previsíveis. Alguns dos aplausos mais entusiásticos que recordo na minha carreira e também na de colegas ocorreram após equívocos clamorosos...
(Um pouco mais tarde, suprindo a informação não dada do palco, esse veterano do ilusionismo elucidar-me-ia que nas situações desairosas os prestidigitadores exercitados em passes arriscados e números complexos costumam ter preparadas soluções alternativas, com desfechos seguros, para aplicação in extremis à parte eventualmente inconcluída do programa. Por essa razão, há uma regra secular: o mágico deve evitar a descrição prévia pormenorizada da ilusão que vai apresentar. Pode suceder – e sucede, na verdade, com uma frequência que os espetadores não suspeitam – que um acidente súbito obrigue a reformular radicalmente a sequência do prodígio. Mais fiquei a saber que nos espetáculos ao vivo nenhum mágico enfrenta o público sem se prevenir com uma ou duas "alternativas de emergência").

 

© PEDRO FOYOS



SEGREDO
DE TRAPEZISTA

O conferencista deriva para uma explanação sobre a forma de desenvolver a destreza digital. Os menos experientes, assinala, tendem a manter os dedos tensos, na posição de "empalme". Ora, essa ausência de flexibilidade pode denunciar a manipulação e comprometer o truque. Existem, porém, exercícios que favorecem a maleabilidade e concorrem, ao mesmo tempo, para o fortalecimento dos músculos superficiais, sobretudo os da eminência tenar (palma da mão, músculos do polegar), cuja função é primordial nos "empalmes". Fazendo uma demonstração prática de alguns desses exercícios o conferencista surpreende os presentes em determinado momento com uma variante ao estilo de mais difícil ainda: as duas mãos independentes, cada uma ocupada numa operação específica e ambas dessincronizadas do olhar. Para cúmulo, falando ao mesmo tempo para a plateia:
— Vocês conhecem aquele dito... como é?... uma mão não sabe o que faz a outra... Pois é isso!
Termina, alertando para o facto de ser errado supor que a prestidigitação está ao alcance apenas dos mágicos dotados de uma adequada morfologia das mãos. Alguns artistas de renome mundial, diz, têm as mãos pequenas e os dedos grossos. Apesar dessa adversidade conseguiram, mercê de muita persistência e de um trabalho tenaz, deslumbrar multidões com manipulações assombrosas.
No intervalo, alguém lembra um antigo mágico português que conseguia empalmar uma bola de bilhar e manter uma absoluta flexibilidade dos dedos. No mesmo grupo comenta-se também que algumas secreções resinosas, secas e esfregadas nas palmas das mãos, podem facilitar os "empalmes" custosos em que intervêm objetos mais pesados ou volumosos.
— Eu sempre preferi o pez-louro – informa-me um velho mágico retirado da lide. – Não havia, no meu tempo, os sprays e pós apropriados que podem comprar-se agora.
— Pez-louro?!
— Exato. Mas misturava sempre, numa pequena porção, uma mescla que normalmente é conhecida apenas dos trapezistas...
Discreto, infantil, confidencia ao jornalista a fórmula química e pegajosamente secreta. Piscadela de olho:
Off the record...

Sim, este é um mundo estranho.


© PEDRO FOYOS



OUTROS MISTÉRIOS
EM CÂMARA LENTA

Experiência inesquecível. Quem assista pela primeira vez a uma conferência mágica ver-se-á transportado a um mundo peculiaríssimo de palavras e olhares cifrados. Os segredos, partilhados com inesperado desprendimento, numa exemplar comunhão profissional, desvendam-se naquele ritual dos pequenos e grandes mistérios. Com a minúcia cadenciada, íntima, de um filme em câmara lenta.
Eis alguns flashes de uma dissertação didática feita por um mágico português no decurso de uma convenção profissional:

(...) Entro em cena com a carga já preparada nesta mão. Mostro as mãos assim, fazendo este movimento... e outra vez este, mas tendo o cuidado de esta mão estar sempre virada para mim. O outro braço, como veem, está estendido ao longo do corpo. Faço uma direction para a esquerda, enquanto a mão direita, que está descaída, vai buscar a carga. Reparem que basta um pequeno toque... assim... e o mecanismo solta a carga.
Empalmo-a. (…)

(...) Como já verificaram, utilizei diferentes técnicas para criar o mesmo efeito. Esse é o procedimento ideal. Cada nova técnica encobre, por assim dizer, os eventuais defeitos da anterior. A partir de agora, já se estabeleceu no público a ideia de que, ao fazer este movimento, não tenho nada nas mãos. Pois bem: exploremos a circunstância e comecemos a empalmar duas cargas de cada vez... Não é difícil, até porque a atenção do público está toda concentrada neste lado. Vou exemplificar, com movimentos lentos. Reparem... E nunca se olha, claro está, para o sítio de onde se apanha a carga! O melhor método continua a ser o de florear um movimento largo com o braço contrário ao que está em posição suspeita. (…)

(...) Esta varinha mágica tem aqui um botão, estão a ver?..., com um elástico que eu puxo... faço este gesto e... o resultado é este! O movimento tem de parecer normal, lógico. Simulo que verto champanhe para a taça, mediante o processo que todos conhecemos. Como compreenderam, a garrafa serve de invólucro para o ramo das flores. Atenção, porém: é importante que haja um compasso de espera antes da aparição das flores, caso contrário poderão as pessoas associar uma coisa à outra. (…)

(...) Aconselho-vos a manterem, incessantemente, a conversação com o espetador voluntário. O discurso contínuo causar-lhe-á uma saturação psíquica e uma dispersão da atenção que será essencial para o êxito do número. (…)

(...) Continuo a pensar que o algodão é o tecido mais indicado para a confeção do topkit (saco preto dissimulado sob a casaca). Mas... enfim, o importante é o resultado final, em função do estilo do executante. Se se derem bem com outro género de material, usem-no, nem que seja o plástico. Não se podem estabelecer regras universais. (…)

(...) Como vocês notaram, este é um número que só pode ser executado em palco. Não pode haver público à volta do artista. Existindo espetadores situados nas áreas laterais próximas, devemos dizer-lhes, com muita amabilidade, que verão melhor o espetáculo se tomarem lugar numa zona mais central. Ninguém recusa uma sugestão desse género. (…)

 

© PEDRO FOYOS


FEIRA
DOS PRODÍGIOS

As marionetas não gostam que se lhes descubram os fios. Há no espetáculo da magia uma fronteira inapreensível que ninguém estranho à arte deverá querer transpor. Porque, forçada a linha confinante do encantamento, as ilusões convertem-se em desilusões.
As feiras mágicas constituem uma realização tradicional nos congressos e convenções profissionais. Ali se transacionam coisas extraordinárias que procedem de técnicas e ciências díspares, inesperadas: ótica, mecânica, química, eletrónica... Um mundo de faz de conta, espécie de jogo de espelhos onde a realidade se transfigura, por refração inventiva, numa mentira maravilhosa.
O progresso da arte mágica gerou este comércio singularíssimo. Existe, mesmo, uma indústria específica que em certos países adquiriu expressão apreciável.
Bem se entende que o acesso a tais claustros seja cingido por guardiões escrupulosos. Ninguém, excetuando a comunidade mágica, pode franquear o território dos prodígios, e nem sempre a revelação do truque se faz por mera solicitação do visitante. De facto, torna-se indispensável algumas vezes efetivar a compra antecipadamente para conhecer a ilusão por dentro. Após concessão de livre-trânsito nas principais feiras mágicas não consegui descortinar mais do que uma parcela ínfima das geniais tramoias. A simples presença do repórter suscitou algumas perplexidades e tornou necessária a comunicação aos feirantes, repetida várias vezes pelos cicerones de ocasião, de eu pretender tão-só captar o "ambiente social" daquele mercado singular, não havendo o propósito de divulgar o funcionamento de quaisquer truques. Claro: por amor e ética para com as marionetas; elas não suportam que se lhes descubram os fios. De qualquer dos modos (meu imenso infortúnio!), por esse tempo já conhecia, sem que pudesse esquivar-me, uma quantidade abundante e francamente indesejável de truques ilusionísticos.
Ao ingressar num certame destes, o forasteiro noviço começa por surpreender-se com algo de inopinado. Os acessórios que estão na origem de muitas e espetaculares ilusões são, na quase totalidade, tão imaginativos como simples. Dir-se-ia, talvez, que os efeitos mais assombrosos correspondem a uma vulgaridade frustrante para quem suspeite de complexíssimos mecanismos – que os há, de facto, mas em esporádicas conceções. Em todos os casos, porém, a inventividade impõe-se como uma constante suprema. «A magia é, com certeza, a arte mais imaginativa do mundo», diz-me um dos meus guias. Assinala, a seguir, um aspeto questionável destas feiras: «Os acessórios aqui adquiridos deveriam representar uma espécie de ponto de partida para atos criativos próprios. Há colegas pouco ambiciosos que se conformam com o integral efeito de origem, de súbito veem-se dezenas de pessoas em toda a parte a fazer a mesma coisa.»
Um só acessório será capaz de gerar um número considerável de ilusões, o que também espanta o neófito. Tecnicamente, há a reter dois grupos: os fakes e os gimmicks. Os primeiros são substitutos de uma determinada realidade; simulam uma aparência verdadeira, mas são falsos. É o caso de uma mão de látex (ou uma perna, etc.) de que o mágico se mune para produzir um efeito, sem que o espetador suspeite da falsidade do corpo apresentado como real. Os gimmicks são os que nunca se veem (um fio, um cabo, por exemplo), tornados invisíveis em resultado da sua peculiar estrutura ou de simulacros técnicos que se lhes aplicam. Variam entre a complexidade de difícil compreensão para o leigo e a desarmante simplicidade que opera em nós aquele sorriso ancestralmente associado à explicação prosaica de um "ovo de Colombo".

 

© PEDRO FOYOS


VISITA GUIADA
AO COMÉRCIO DA MAGIA

Descendo à praça, o visitante vê-se rodeado por uma coleção diversificada e fantástica de engenhos de todos os géneros e para todos os fins. Alguns feirantes atribuem-se um verdadeiro serviço completo, da execução à comercialização dos artefactos, mas, por regra, a maioria dos artigos expostos resulta de adaptações e variantes de matrizes mais ou menos clássicas; nos vários stands predominam, contudo, as representações exclusivas consignadas por fabricantes estrangeiros especializados, com relevo para o Japão, China e EUA. Umas algemas "modelo original Houdini" custam cem euros. Pelo mesmo preço pode comprar-se a Caixa D. Aguinaldo, que apresenta alguns furos por onde se vê o interior vazio; mas, após a introdução de um papel incandescente, saem de lá duas lindas pombinhas brancas. De registar, ainda, no domínio columbófilo, um tabuleiro negro sobre o qual se coloca uma flor; um passe de magia e... sobre ele aparecem, numa visão repentina, duas pombas (custa um pouco mais, mas, em contrapartida, o tabuleiro está apto a produzir uma infinidade de outras coisas, como periquitos, lenços, bolas, etc.). Um outro feirante apresenta um artefacto similar, acrescido de explosões de grande efeito visual (sem recurso a combustíveis líquidos – uma particularidade que insiste em sublinhar). Quem pretenda um singelo pano-saco para aparição de uma única pomba pode obtê-lo por menos de cinquenta euros. Na linha das aparições e correlativas desaparições tem interesse citar a extravagante caixa, reluzente por fora e negra por dentro, pela qual se eclipsa um coelho de cada vez que se fecha a tampa. Fazem-me notar, entretanto, que se encontra em declínio a produção de artefactos implicando participação de animais, o que me deixa satisfeito, pois anteriormente assistira a alguns constringentes flagrantes de bastidores. A "novidade do ano" nesta Feira é uma estranha garrafa de Coca-Cola que está cheia e devidamente selada com a cápsula; à vista de toda a gente, o executante faz atravessar o recipiente, de lado a lado, com uma agulha de metal, sem que uma só gota verta; depois, a apoteose: o ilusionista retirará a agulha, entregará a garrafa a um espetador para a abrir e, distribuindo pequenos copos de plástico, compartilhará o refrigerante com os elementos do público que desejarem beber um gole. No capítulo das curiosidades mágicas de baixo custo a gama de artigos é inumerável: tesouras, varinhas, cordas, moedas, cartolas («já preparadas», lê-se no letreiro de propaganda), cigarros falsos (parecem estar acesos), dados, anéis, jornais absorventes, lenços, ovos de galinha (sim, quem diria...), pequenas próteses, fósforos especiais... Para início de uma atuação sugere-se um número fino e elegante: o mágico dá entrada no palco, mostra as mãos vazias e, num revoluteio fulminante, exibe um vistoso ramo de flores (baratíssimo: vinte euros!). O setor da química & pozinhos auxiliares atrai em particular os especialistas em "empalmes" e escamoteios solertes. Um antiderrapante líquido, concentrado, utilíssimo em toda a sorte de manipulações, é fornecido pela bagatela de quinze euros; por um pouco mais o cliente pode optar pelo mesmo produto em embalagem spray, o que torna a aplicação bastante prática. Com finalidade oposta está disponível um pó deslizante cujo uso é corrente em cartomagia. Mais extraordinário é um certo pó que solidifica instantaneamente os líquidos (de preferência não gaseificados). O produto está comercializado com os nomes Hidrosorb ou Slush Power e com ele podem obter-se, na verdade, ilusões prodigiosas; recomenda-se uma colher de café para solidificar o líquido contido em meio copo. Um artista moderno não deverá alhear-se da prestimosa cooperação audiovisual. A teoria e a prática da magia estão ao alcance do praticante estudioso em largas dezenas de vídeos. Os programas didáticos, realizados por insignes peritos de várias nacionalidades (um ou outro português, inclusive), têm preços muito diferenciados. Estive tentado a comprar, por trinta euros, A Arte da Escapalogia, de David Devall. Na prateleira das obras literárias importa mencionar best-sellers internacionais. Alguns títulos irrecusáveis: Magia do Fogo (dois volumes), Fogo, Fumo e Efeitos Especiais, Da Utilização das Flores em Prestidigitação, e uns sedutores Exercícios Práticos de Transmissão do Pensamento. As operações comerciais que envolvem artefactos destinados à produção de grandes ilusões decorrem em geral fora do âmbito das feiras mágicas. O cliente profissional contacta diretamente os artífices fabricantes ou visita, na sede, os revendedores conceituados. Mas, uma vez por outra, há firmas que levam a estes certames alguns engenhos de maior porte, cujo preço é inacessível aos simples amadores. Quanto custa, por exemplo, produzir uma levitação? Uma casa espanhola, presença habitual nos eventos da especialidade, propôs-me por oitocentos euros uma discreta máquina denominada La Princesa del Aire. Barato. Excessivamente barato. Os mágicos versados nestas ilusões sensacionais sabem que um aparato seguro, eficaz para pôr uma senhora a flutuar no espaço, não pode custar menos de dois mil euros. Abaixo disso, eis o problema, este género de ilusões corre o risco de regredir ao efeito newtoniano – talvez espetacular mas nada mágico – de um valente trambolhão.

© PEDRO FOYOS



ISTO…
NÃO É INCRÍVEL?!

Costuma dizer-se no meio mágico que, se uma determinada ilusão é, de facto, boa, deveras arrebatadora, o primeiro a manifestar surpresa deverá ser o próprio ilusionista. A isso chama-se… psicologia. Retenho uma entrevista que publiquei há tempos, na qual um estudioso da arte mágica realçava a importância da psicologia nesse género de atuações e nos mais ínfimos detalhes:
— A magia – sublinhava – é um desempenho muito singular porque, independentemente da vontade do artista, gera-se uma espécie de ascendência deste em relação ao público.
— Quer dizer que o público se sente, em alguma medida, subjugado?
— Em grande medida.
— Nesse caso, o público detestaria assistir a espetáculos de magia. Até fugiria deles…
— Não sabemos quantos fugirão… Não deliberadamente. Antes, subconscientemente. Queiramos ou não, num lado encontra-se quem ilude, e, no outro, quem é iludido. O espírito tende a insurgir-se, a um nível subconsciente, contra a inverosimilhança dos atos que o mágico impõe.
— Uma pequena rebelião subliminar.
— Essa expressão ("subliminar") é a que melhor traduz o fenómeno.
— Mas a regra será, quanto me parece, a de o mágico fazer gala de ser ele o único que não está a ser iludido.
— Já foi assim. Hoje, creio que não. Mas sei haver quem defenda, em situações excecionais de grandes ilusões desempenhadas por figuras com uma notoriedade incomum, a exibição ostensiva da superioridade. Trata-se de um procedimento controverso cuja análise nos conduz aos estranhos mecanismos dos milagres ansiados. A regra moderna determina que no cruciante epílogo do truque o ilusionista simule desconhecer a razão por que aconteceu o impossível.
— Surge então a conhecida frase-chave: "Incrível! Isto não é incrível?!"
— E outras similares. Há mais de meio século, o lendário Conde de Aguilar rematava com fingido espanto:
"Isto é ex-tra-óóóóórdinário!!!"
— Compreendo: nesse instante, com astuciosa ingenuidade e pretensa inocência, o mágico transfere-se para o lado do público. Que inteligente estratégia.
— Aí tem. Partilhando da perplexidade geral o mágico desce à condição de vulgar espetador. Distanciado, como se não soubesse mais do que outra pessoa qualquer. O efeito reforça-se. Bem, se ele próprio não sabe como aquilo aconteceu, quem irá saber? – intuirá o público, no zénite psicológico.
— É incrível, decididamente.

 

© PEDRO FOYOS



CAPÍTULO SEGUINTE:
GRANDES MOMENTOS