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BIG – BAÚ DAS IDEIAS GÉMEAS

(TESOUROS PERENES À GUARDA EFÉMERA DE PEDRO FOYOS)

 

  •                 •  Ideias sobre o Desconhecido

  •                 •  Ideias sobre a Condição Humana

  •                 •  Ideias sobre a Condição Animal

  •                 •  Ideias sobre o Mundo Natural

  •                 •  Ideias sobre o Universo Infantil

  •                 •  Ideias sobre a Velhice

  •                 •  Ideias sobre a Ciência

  •                 •  Ideias sobre a Política

  •                 •  Ideias sobre os Criadores e as Criações

  •                 •  Ideias por Arrumar

 

•  Epígrafe de Contrição

O homem é mais propenso a contentar-se com as ideias dos outros, do que a refletir e a raciocinar.
Alexandre Herculano
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•  Epígrafe de Convenção

As ideias têm vida própria. É por isso que se pode viver, e também morrer, por uma ideia.
Edgar Morin
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•  Ideias sobre o Desconhecido

A vida é só uma. Tudo é uma coisa só.
Heraclito
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O mais sábio é o que sabe que não sabe.
Sócrates
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O mais importante é nunca deixarmos de nos interrogar.
Albert Einstein
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Nada pode existir sem causa.
Voltaire
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Todo o enigma da vida está fechado na cabeça de uma formiga.
Teixeira de Pascoaes
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Fome e curiosidade são as duas forças que movem o mundo.
Luís Fernando Veríssimo
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TRECHOS ÍNTIMOS

A UM DEUS DESCONHECIDO

(...) e a grande árvore agitou-se vivamente sob o vento. Joseph ergueu a cabeça e olhou para os seus velhos e enrugados ramos. Os olhos iluminaram-se-lhe em reconhecimento e desejou as boas-vindas ao ser forte e simples que era o seu pai, que pairara, com a sua juventude, como uma nuvem de paz, penetrando na árvore.

Ergueu a mão numa saudação. Disse baixinho: «Estou contente por ter vindo. Não me tinha apercebido até agora das saudades que sentia de si».
A árvore mexeu-se ligeiramente.
«Como vê é uma boa terra», continuou Joseph em voz baixa. «Vai gostar de cá estar.» Abanou a cabeça para sacudir um resto de tontura, riu-se, em parte envergonhado pelos seus pensamentos felizes, e em parte maravilhado com o seu súbito sentimento de irmandade para com a árvore.
«Creio que foi por causa de estar só. O Juanito acabará com isso, e os rapazes hão de vir viver para cá. Já ando a falar sozinho.» Sentiu-se de repente culpado de traição. Pôs-se em pé, encaminhou-se para a velha árvore e beijou-lhe a casca. Depois lembrou-se de que Juanito devia estar a vê-lo e voltou-se, desafiador, para encarar o rapaz. Mas ele fitava firmemente o solo. Joseph aproximou-se.
– Deves ter visto... – começou irritado.
Juanito continuou a olhar para baixo.
– Eu não vi nada, señor.
Joseph sentou-se a seu lado.
– O meu pai morreu, Juanito.
– Lamento muito, amigo.
– Mas eu quero falar-te nisso, Juanito, porque tu és meu amigo. Pessoalmente, não lamento que o meu pai tenha morrido, porque ele agora está aqui.
– Os mortos estão sempre presentes, señor. Nunca se vão embora.
– Não – disse sinceramente Joseph. – É mais que isso. O meu pai está dentro daquela árvore. O meu pai é aquela árvore! É uma coisa imbecil, mas quero acreditar nela. Importas-te de conversar um bocado comigo, Juanito? 

John Steinbeck, A Um Deus Desconhecido

(Trad. Samuel Soares / Ed. Livros do Brasil)
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•  Ideias sobre a Condição Humana

A primeira razão do mundo para a existência dos deuses foi o medo.
Estácio
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Enquanto o tigre não pode deixar de ser tigre – não pode destigrar-se –,
o homem vive em risco permanente de desumanizar-se.
Ortega y Gasset
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Significará progresso que o antropófago coma com faca e garfo?
Stanislaw Jerzy Lec
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Nas pessoas más pode-se confiar; não mudam nunca.
William Faulkner
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Um homem com uma ideia nova é um louco até que a ideia triunfe.
Mark Twain
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Gosto de estar sozinho, sabendo que no final do dia tenho companhia.
Julian Barnes
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Penso às vezes que a prova mais válida da existência de vida inteligente no universo
é a de ninguém ter tentado contactar-nos.
Bill Watterson
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A vida é bela. Eu é que devia ser banido,
expulso da sociedade para que a não prejudique.
António Gedeão
(Poema do Autocarro, in Máquina de Fogo, 1961)

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Um homem só tem direito a olhar o outro de cima para baixo quando
está a ajudá-lo a levantar-se.
Gabriel Garcia Marquez
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Um homem que sofra uma dor intensa pode ter controlo sobre a
sua expressão facial, mas nem sempre consegue impedir que as lágrimas
lhe venham aos olhos.
Charles Darwin
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Nenhum homem é grande para o seu criado de quarto.
Montaigne
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Deus é o silêncio do universo, e o ser humano o grito que dá sentido a esse silêncio.
José Saramago
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TRECHOS ÍNTIMOS

VIDA HUMANA
Entrei numa livraria. Pus-me a contar os livros que há para ler e os anos que terei de vida. Não chegam, não duro nem para metade da livraria.
Deve certamente haver outras maneiras de se salvar uma pessoa, senão estou perdido.

José de Almada Negreiros

 

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•  Ideias sobre a Condição Animal


É comum não dar nomes aos animais laboratoriais, talvez pela mesma razão que nas quintas os proprietários evitam dar nomes aos animais destinados ao abate: nomes próprios têm um efeito humanizador e é difícil matar um amigo.
Jeffrey Masson e Susan McCarthy
(Quando os Elefantes Choram, Ed. Sinais de Fogo)

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TRECHOS ÍNTIMOS

HOMENS E BICHOS
(…) Mentiria, pois, se dissesse que amo muito os homens.
Amo porém os animais opressos e desprezados, e não me importo que trocem de mim quando afirmo que me dou muito melhor com eles do que com a maioria das pessoas que me sucede encontrar.
(…)
A fase da caça – ensina-o a história do desenvolvimento da espécie – foi a mais primitiva das condições humanas. O apetite de sangue do animal selvagem evoluiu gradualmente para inconsciente instinto, e são milhares de anos de civilização e cultura os que se acham interpostos entre o caçador de agora e os selvagens avoengos que só da caça viviam, e que se davam a morte com achas de pedra por causa da posse de um peixe cru.
Foi-se requintando o processo, mas o princípio é o mesmo: o instinto do mais forte para matar o mais fraco, que vemos percorrer toda a série zoológica. A paixão de matar, sendo um instinto animal, será coisa impossível de desarraigar de todo; mas compete ao homem, consciente da dignidade do seu posto no Mundo, o lutar contra esse vício da sua infância selvagem, fantasma do túmulo dos progenitores da espécie. O direito, para o homem, de matar animais, limita-se ao direito de defesa e ao direito de existência. O primeiro só excecionalmente pode ser invocado nos nossos países e no nosso tempo, e não pode sê-lo o segundo na nossa classe.
Considera o homem civilizado que lhe incumbem deveres para com os animais, porque eles se lhe afiguram correlativos do estado de servidão a que os tem sujeitos. Ora, matar animais por simples gozo é coisa incompatível com tais deveres. A extensão da simpatia humana para além dos limites da humanidade – quer dizer, a atitude de bondade para com os animais – é uma das últimas qualidades morais que foram adquiridas pela nossa espécie; e quanto mais desenvolvida for ela num homem, maior a distância que separa tal homem do estado primitivo de selvajaria. Quem quer que a não tenha, por consequência deve ser encarado como um tipo intermédio entre o homem civilizado e o selvagem; representa um elo de transição entre a pura bestialidade e a cultura.
(…)
O crepúsculo cai, cada vez mais denso, em torno do sarcófago em que o rei defunto, no Panteão da Paleontologia, está dormindo o seu sono. A poeira cobriu a inscrição pomposa em que se haviam relevado os títulos do morto, e desfazem-se em pó os gloriosos estandartes, testemunhos da grandeza dos seus triunfos. Algures, no novo planeta, um professor preleciona na sua cátedra, comentando vestígios de pré-históricos tempos, e faz circular um craniozinho frágil, atentamente examinado pelos seus alunos. É o nosso crânio – com o ângulo facial de muito grande abertura, com a capacidade craniana que nos enche de embófia. E dá o professor – mas muito ao de leve – uma rápida indicação sobre o Homo sapiens, chamando a atenção para o forte canino que se observa ainda na maxila do bicho.

Axel Munthe, Homens e Bichos
(Trad. António Sérgio / Ed. Livros do Brasil)
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AS VIDAS DOS ANIMAIS
(…) Deixem-me dizê-lo abertamente: estamos todos envolvidos num processo de degradação, crueldade e carnificina que rivaliza com tudo aquilo de que o III Reich foi capaz; na verdade, menoriza-o, no sentido em que o nosso é um processo sem fim, auto regenerador, que cria coelhos, ratos, aves e gado incessantemente, trazendo-os ao mundo com o propósito de os matar.
E fazer uma distinção subtil, afirmar que não existe comparação, que Treblinka era, por assim dizer, um cometimento metafísico dedicado a nada a não ser morte e aniquilação, ao passo que a indústria das carnes se destina, em última análise, à vida (uma vez que, afinal, as suas vítimas mortas não são queimadas ou enterradas mas, pelo contrário, retalhadas, refrigeradas e embaladas para poderem ser consumidas no conforto dos nossos lares), serve tanto de consolação àquelas vítimas como teria servido – e perdoem-me o mau gosto do que se segue – pedir aos mortos de Treblinka que desculpassem os seus carrascos porque a gordura dos seus corpos era necessária ao fabrico de sabonete e o seu cabelo necessário ao enchimento de colchões.
Perdoem-me, repito. Este é o último ponto vulgar que marcarei. Sei como este tipo de debate polariza as pessoas, e a vulgar marcação de pontos apenas o torna pior. Pretendo encontrar um modo de falar com os meus congéneres humanos que seja frio em vez de inflamado, filosófico em vez de polémico, que lance luz em vez de procurar dividir-nos entre os justos e os pecadores, os salvos e os condenados, as ovelhas e os lobos.

J.M. Coetzee (Prémio Nobel de Literatura), As Vidas dos Animais  
(Trad. Maria de Fátima St. Aubyn / Ed. Temas e Debates)
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EVOLUÇÃO LENTA MAS INEXORÁVEL
(…) A questão dos direitos dos animais é matéria de civilização humana. À medida que as sociedades evoluem tende a aumentar a consciência da devastação e sofrimento que a ação do homem provoca nas restantes espécies que connosco partilham o planeta. Essa evolução é lenta mas inexorável. Um dia acabarão as touradas e outros espetáculos similares, depois será a vez da caça – atividade primitiva absolutamente injustificável –, e mais tarde deixará de se comer carne. Todos os que se opõem a um tal curso inevitável limitam-se a ganhar tempo. Como sempre sucedeu com aqueles que apoiavam o circo romano, a escravatura, a tortura, a discriminação racial, a discriminação das mulheres e tantos outros comportamentos que o tempo e a civilização tornaram indignos.

Leonel Moura
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DECOMPOSIÇÃO DAS ALMAS

A eternidade começa na decomposição pessoal.
Quando era pequena as galinhas que passavam
sem cabeça pareciam dirigir-se a qualquer lado.
Iam apressadas na ignorância de que as galinhas mortas
estão fora do tempo porque a eternidade
só decompõe a alma. Sacrificam-nas pelo pescoço
e o sangue espalhado guarda-se numa bacia.
Não se serve em cálice, que as galinhas não são crucificadas.
Mas graças a ti todos os dias ressuscitam no aviário.
Tal como tu, Senhor, elas também não ocupam espaço.

Rosa Alice Branco
"Gado do Senhor", Ed. & etc, 2011

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•  Ideias sobre o Mundo Natural

Os maiores problemas do mundo resultam da diferença entre o modo
como age a Natureza e o modo como o Homem pensa.
Gregory Bateson
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O futuro antes estava garantido, hoje temos de lutar por ele.
Viriato Soromenho-Marques
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TRECHOS ÍNTIMOS

O DESTINO DA TERRA
Considerado na globalidade, o acréscimo da força da humanidade provocou um desvio multifacetado no equilíbrio de forças entre o Homem e a Terra. A Natureza, outrora dominador severo e temido, encontra-se hoje subjugada, e necessita de proteção contra os poderes do Homem. No entanto, como o Homem, sejam quais forem as alturas intelectuais e técnicas a que possa ascender, continua implantado na Natureza, o equilíbrio deslocou-se também em seu prejuízo, e a ameaça que ele ergue contra a Terra é igualmente uma ameaça contra si próprio.

Jonathan Schell
O Destino da Terra
(Ed. Dom Quixote)
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O PRAZER DE VER AS ORQUÍDEAS DAREM FLOR
(…)
- Como é que aparece o seu interesse pelos jardins?
Vera Nobre da Costa (VNC): Estive nove anos como presidente da Young & Rubican e de repente fiquei farta. Tive uma necessidade absoluta de mudar de vida.
- Ficou farta como?
VNC: Fiquei farta da responsabilidade, fiquei farta da publicidade, fiquei farta do trabalho do dia-a-dia, das pessoas, da empresa, de tudo. Senti que a minha imaginação estava a emperrar, que não estava a funcionar com frescura. E macei-me. Resolvi acabar. Achei que podia sair, a Young & Rubican era a agência número um, estava tudo em ótima condição. Organizei a minha saída, a passagem de poderes, vendi as minhas ações. Saí em Julho de 2001. Estive um ano e meio sem estar ligada a empresa nenhuma, a minha única atividade profissional neste período foi dar aulas. Tive necessidade de não fazer absolutamente nada. De esvaziar a minha cabeça de uma ocupação continuada. Portanto, li, viajei, tirei cursos de jardinagem.
- Mas porquê jardinagem?
VNC: Para meter as mãos na terra. Não sabia absolutamente nada de jardins, não sabia o nome de uma planta, nunca tinha plantado, nunca tinha podado. Descobri o prazer de ver uma planta que eu cuido, adubo, observo, dar flor. Em particular as orquídeas. Podem dizer que é um disparate, que é muito melhor estar à frente de uma empresa e ter sucesso. Em termos de intensidade de prazer, não é. Mas eu já tive o prazer do sucesso, esse assunto está arrumado.

Diário de Notícias / Suplemento DNA / 25.Janeiro.2003
Entrevista de Anabela Mota Ribeiro
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OUTRAS ORQUÍDEAS E FRAUDES SEXUAIS
(…) a planta [uma espécie de orquídea] é notavelmente parecida com uma das espécies de vespas ou abelhas de grande porte, vulgares nas áreas onde cresce. A função deste mimetismo é sensacional. A flor provoca sexualmente as abelhas machos. É muito mais eficaz do que poderíamos imaginar, porque também liberta um sinal químico, uma feromona, muito semelhante à emitida pelas abelhas fêmeas sexualmente recetivas. Este facto pode ser demonstrado cobrindo uma das orquídeas com um pano, porquanto, embora invisível, atrai as abelhas machos, que, agitadas, rastejam sobre ela, à procura da fonte deste cheiro excitante e provocante.
Se e quando uma abelha macho descobre a flor, instala-se no cálice, agarrando-o exatamente como se fosse uma abelha fêmea, e tenta copular, mergulhando a ponta do abdómen na franja de longos pelos na extremidade do cálice. É, evidentemente, mal sucedida, mas, durante este processo, uma coluna curva que aloja os órgãos masculinos e femininos desce da parte de cima da orquídea e cola um par de polinia na cabeça do inseto. Se a próxima orquídea visitada já se desfez da polinia, a coluna apoderar-se-á da que ele transporta: a orquídea está fertilizada.
(…) outro grupo destas orquídeas (…) tem os pelos virados para cima. Os insetos machos que pousam nelas ficam com a impressão de que as fêmeas estão instaladas de cabeça para baixo, porque eles próprios se viram de forma a assumirem uma posição adequada à cópula, posição esta que cobre de polinia não apenas a cabeça mas também o abdómen.
A partilha de polinizadores é possível porque existem orquídeas que descarregam a carga sobre os insetos de formas diferentes: umas pela frente e outras por trás. Uma orquídea simula uma fêmea de cabeça para cima e outra espécie simula o mesmo tipo de abelha, mas de cabeça para baixo. Deste modo, uma abelha espécie pode transportar dois tipos diferentes de polinia, um na cabeça e outro no abdómen.
Estas cópulas são manifestamente insatisfatórias para a vespa ou a abelha machos, que depressa aprendem que não devem confiar no perfume que os atrai para um parceiro passivo. É evidente que isso pode reduzir-lhes o valor como polinizadores, na medida em que, cobertos de polinia, podem não visitar outras orquídeas para fazerem a entrega. Contudo, embora produzam um cheiro que imita no essencial a feromona feminina, os indivíduos da mesma espécie de plantas não cheiram todos ao mesmo. Cada planta difere das outras o suficiente para sugerir à abelha que a próxima, com uma fragrância ligeiramente diferente, lhe dará a satisfação de que tem sido privada até ao momento. No entanto, depois de visitar quatro ou cinco plantas diferentes, o inseto aprende a lição: todas as que possuem, em geral, aquele cheiro são inúteis e deixa de as visitar. Porém, é provável que já tenha feito o que a orquídea queria dele.

David Attenborough
A Vida Privada das Plantas.
(Tradução de Maria Carvalho / Ed. Gradiva)
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ARBORESCER
Recordo o senhor Leitão, amigo e defensor da Árvore, publicista que opuscularmente se produzia. O senhor Leitão postara-se ao lado da Árvore tal como alinhara com o Bem. Não há aqui pardal de troça. (...) Quando o conheci pessoalmente (primeiro, aconselhara-me com ele por correspondência sobre a forma de organizar um herbário) tive a impressão de que aquele homem já havia sido árvore, e pensei que, tal como sucede com o homem e o seu cão, Leitão incorporara à sua própria estrutura certos atributos arbóreos. Se assim era, devia existir algures, pela regra da interação, uma árvore parecida com o homem Leitão. Afeiçoei-me tanto a essa ideia que, quando nos encontrávamos, lhe perguntava sempre:
– Então como vai, como está a sua Árvore?
Leitão sacudia os ramos e, a despassarar-se, ria.

Alexandre O'Neill
Uma Coisa em Forma de Assim
(Ed. Presença)
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A SALVAÇÃO DO MUNDO
Eis o que tenho a pedir-vos nos meus oitenta anos: plantem nesse lugar um plátano, onde o vento enroladinho no sono possa dormir sem sobressaltos; ou uma oliveira, ou um chorão, e à sua roda ponham uma sebe da flor doce e musical de espinheiro branco. Embora tenha pouca ou nenhuma fé seja no que for, a terra ficará mais habitável. Um poema ou uma árvore podem ainda salvar o mundo.

Eugénio de Andrade
Palavras em Serrúbia
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A FALA VEGETAL

«Não é mistério para os entendidos que há uma linguagem das plantas, ou, para ser mais exato, que a cada planta corresponde uma linguagem. Como a variedade de plantas é infinita, faz-se impossível ao entendimento, por muito atilado que seja, captar todas as vozes de vegetais. E só os mais perspicazes entre os humanos conseguem entender a conversa entre duas plantas de espécies diferentes: cada uma usa o seu vocabulário, como por exemplo num diálogo em que A falasse em espanhol e B respondesse em alemão.
Levindo, jardineiro experiente, chegou a dominar as linguagens que se entrecruzavam no jardim. Um leigo diria que não se escutava nada, salvo o zumbir de moscas e besouros, mas ele chegava a distinguir o suspiro de uma violeta, e suas confidências ao amor-perfeito não eram segredo para os ouvidos daquele homem.
Até que um dia as plantas desconfiaram que estavam sendo espionadas e planejaram a conspiração de silêncio contra Levindo. Passaram a comunicar-se por meio de sinais altamente sigilosos, renovados a cada semana. Em vão o jardineiro se acocorava a noite inteira no jardim, na esperança de decifrar o código. Enlouqueceu.
Perdendo o emprego, as coisas não voltaram à normalidade. As plantas haviam esquecido o hábito de conversar direito. Já não se entendiam, brigavam de haste contra haste, muitas se aniquilaram em combate. O jardim foi invadido pelas cabras, que pastaram o restante da vegetação.»

Carlos Drummond de Andrade
Contos Plausíveis
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•  Ideias sobre o Universo Infantil

Se queres lembrar como é viver num mundo de criança tens de te pôr de gatas e passar assim uma semana, vendo à tua volta todos aqueles gigantes que te dizem o que deves e o que não deves fazer.
Roald Dahl
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Talvez as crianças estejam perto de mais da infância para poderem vê-la.
Manuel António Pina
(Revista «Visão», 21.Set. 2006)
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TRECHOS ÍNTIMOS

A INFÂNCIA É UM TERRITÓRIO DESCONHECIDO
(…) Ser-se criança é poder apreciar, ainda que por um espaço de tempo muito breve, um tempo em que a tremenda dimensão do horror da ideia do crescimento – e portanto da morte – ainda não se apresenta com nitidez e realismo. E é esse o momento, o instante fugaz em que temos uma perceção total e mágica do mundo, de que todos sentimos a falta, quando crescemos.
(…)
Uma vez que o romance – mais do que o ensaio, a poesia ou a criação dramatúrgica – é o género literário mais «livre» que existe, não caberá aos romancistas a tarefa de levantarem o véu e revelarem o que há de mais escondido e nebuloso, isto é, o universo infantil?

Helena Vasconcelos, A Infância é um Território Desconhecido
(Ed. Quetzal)
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•  Ideias sobre a Velhice

Contei meus anos e descobri que terei menos tempo para viver
daqui para a frente do que já vivi até agora.
Tenho muito mais passado do que futuro.
Sinto-me como aquele menino que ganhou uma bacia de jabuticabas.
As primeiras, ele chupou displicente,
Mas percebendo que faltam poucas, rói o caroço.
Mário de Andrade
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Dos meus disparates de juventude, o que mais lastimo não é tê-los cometido, antes não poder voltar a cometê-los.
Pierre Benoit
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Outrora, a velhice era uma dignidade; hoje é um peso.
Chateaubriand
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Atingi uma idade em que já nada tenho a perder; tudo o que vier é ganho. Posso apreciar mais as pequenas coisas. Não deixei de ser cética, mas ganhei tranquilidade.
Fernanda Botelho
(Jornal de Letras, 7.Dezembro.1987)
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TRECHOS ÍNTIMOS

EM ORGANIZAÇÃO



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•  Ideias sobre a Ciência

Chegada a um determinado ponto de desenvolvimento, a ciência torna-se indistinta da magia.
Arthur C. Clarke
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A ciência apenas tem interesse na medida em que fornece matéria à ficção científica.
Jacques Bergier
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TRECHOS ÍNTIMOS

EM ORGANIZAÇÃO



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•  Ideias sobre a Política

Apenas se pode ser morto uma vez em combate, mas em política muitas.
Winston Churchill
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Um boletim de voto tem mais força do que um tiro de espingarda.
Abraham Lincoln
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TRECHOS ÍNTIMOS

O ANIMAL POLÍTICO
Nas últimas eleições ouvi muitas vezes referirem-se ao “animal político”. Interessado como sou em zoologia, procurei imediatamente informar-me sobre esta espécie. Para minha surpresa não encontrei qualquer menção nos guias de campo, e mesmo na internet só me apareceram referências às tais notícias. Preocupado com esta lacuna e ciente de que só um perfeito conhecimento das espécies pode garantir a sua sobrevivência, resolvi criar a primeira ficha do animal político.
Nome comum: político. Designação científica: Homo politicus. Esperança de vida: demasiada. Distribuição: preferencialmente nas grandes cidades, exceto em época de cio.
Descrição: é muito parecido com um humano normal, mas certas características permitem distingui-lo – fala durante horas sobre uma questão sem dizer se está a favor ou contra; muda de cor como um camaleão; é estranhamente otimista, nunca admitindo que perdeu fosse o que fosse; mantém um sorriso quando vê uma câmara, mesmo que lhe estejam a pisar os calos; diz sempre mal dos animais políticos de outra tribo.
Hábitos: nos momentos de maior atividade, adora passear em feiras e mercados a beijar crianças ranhosas e velhinhas sem dentes. Atinge o auge da sua potência frente a multidões. Chega a perder a voz devido ao facto de emitir contínua e ruidosamente o seu chamamento. É simpático e afável com jornalistas, mas é capaz de morder como cão raivoso quando se sente perseguido (sentimento bastante frequente). Nos intervalos destes momentos mais extasiantes hiberna em confortáveis cadeiras de gabinetes e parlamentos apenas para acordar, com o dobro da genica, três a quatro anos mais tarde.
Movimentos migratórios: apesar de ser uma espécie amiga das viagens, e ao contrário de todas as espécies migradoras, o animal político não percorre rotas regulares com a periodicidade de um ano. Durante a vida costuma proceder a algumas deslocações típicas, como por exemplo a Bruxelas, onde chega a permanecer vários anos, migrações aleatórias ao longo do país de quatro em quatro anos com passagens e paragens frequentes em Lisboa e mais especificamente em São Bento.
Estatuto de conservação: comum em certas alturas do ano, por vezes pode parecer à beira da extinção, nomeadamente em épocas de decisões difíceis ou se se preveem derrotas.
Relendo o que escrevi, talvez seja mesmo melhor mantermo-nos ignorantes quanto a esta espécie.

Tomás de Montemor
Notícias Magazine, 13.Março.2005
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•  Ideias sobre os Criadores e as Criações

Escrevo com a seriedade com que brinca uma criança.
Jorge Luís Borges
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Falhar cada vez melhor.
Samuel Beckett
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Depois de cinco anos tudo volta a ser inédito.
Fernando Sabino
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Os meus livros são meras autobiografias.
Mark Twain
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Quando a inspiração não vem ter comigo saio ao seu encontro, a meio do caminho.
Sigmund Freud
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Só males são reais, só Dor existe.
Prazeres só os gera a fantasia.
Antero de Quental
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TRECHOS ÍNTIMOS

SOBRE AS CRIAÇÕES HUMANAS
Vistas à escala dos milénios, as paixões humanas confundem-se. O tempo não acrescenta nem retira nada aos amores ou aos ódios sentidos pelos homens, aos seus compromissos, às suas lutas e às suas esperanças: ontem e hoje são sempre os mesmos. Suprimir ao acaso alguns séculos de história não afetaria de maneira sensível o nosso conhecimento da natureza humana. A única perda irreparável seria a das obras de arte que esses séculos teriam visto nascer. Porque os homens não diferem, nem sequer existem, senão através das suas obras.

Claude Lévi-Strauss
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•  Ideias por Arrumar

O passado está sempre a ser necessário para explicar o presente e o todo para explicar a parte.
Edward Burnett Tylo
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A verdadeira abundância é não precisar de nada.
Gary Snyder
Filósofo ecologista
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Para os amigos, tudo!
Para os outros, cumpra-se a lei. .
Celso Cunha
Filólogo brasileiro
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TRECHOS ÍNTIMOS

LUSO-DUALIDADE

(…) Para Fernando Gil, a verdade da razão é ela própria uma alucinação. Por outro lado, o que não deixa de ser muito curioso é perceber que, mesmo em pleno materialismo vigente no pós-25 de Abril, ouviram-se várias vozes, muito interessantes do ponto de vista da reflexão, que podemos enquadrar no âmbito do Providencialismo português. São os casos de António Quadros, António Telmo, Dalila Pereira da Costa, António Gandra e Paulo Borges. Qual é a explicação para esta persistência? Para Boaventura Sousa Santos deve-se ao facto de Portugal se ter modernizado, sem, no entanto, ter perdido as estruturas mentais da ruralidade.
Há coisas paradoxais, como esta de termos o maior centro comercial da Europa, mas também o maior santuário. Um milhão de portugueses vai regularmente a Fátima, em peregrinação, provavelmente os mesmos que vão ao Colombo e ao Vasco da Gama e que compram os gadgets mais sofisticados. É uma dualidade que também nos ajuda a explicar como nação.

Miguel Real, Jornal de Letras – 15/28 junho 2011
(Entrevista de Maria João Martins)